Talvez inexista experiência musical mais edificante do que
ouvir a 'Aleluia’ do coro de 'O Messias’, de Handel, executada num espaço
perfeito. Muito críticos consideram o Symphony Hall em Boston – 21 metros de
largura, 36 de comprimento e 20 de altura – o local perfeito.
Porém, a 4.800 quilômetros dali, um visitante conduzido pelo
breu do laboratório de áudio de Chris Kyriakakis, na Universidade do Sul da
Califórnia, para ouvir uma gravação da execução não teria como saber o tamanho
da sala.
A princípio pareceu música elegante tocada na sala num
equipamento bom. Nada especial, mas à medida que os engenheiros acrescentavam
combinações de alto-falantes, o cômodo parecia crescer e a música ganhava em
riqueza e profundidade, até finalmente parecer que o visitante estava sentado
com a plateia em Boston.
Depois a música parou e as luzes foram acesas, revelando que
o Laboratório de Áudio Imersivo da Escola de Engenharia Viterbi da USC é
escuro, meio lúgubre e tem apenas 9 metros de largura, 13 de comprimento e 4 de
altura.
Técnicos em acústica vêm projetando salas de concerto há
mais de um século, mas Kyriakakis faz uma coisa diferente. Ele formata o som da
música para se conformar ao espaço em que é tocado. O objetivo é o que
Kyriakakis chama de “informação do terreno” – para reproduzir o original em
todos os aspectos.
“Nós removemos a sala, para que a informação do terreno seja
encontrada”, ele disse.
Kyriakakis, engenheiro elétrico da USC, fundador e diretor
técnico da Audyssey Laboratories, empresa de áudio com sede em Los Angeles, não
conseguiria alcançar seus resultados sem filtros modernos de som e
microprocessadores digitais.
Contudo, a base de sua técnica está ligada à ciência da
psicoacústica, o estudo da percepção sonora pelo sistema auditivo humano.
Uma nova ciência
“Tem a ver com nosso ouvido e cérebro, e com a compreensão
de como o ouvido humano percebe o som”, disse o especialista.
A psicoacústica se tornou uma ferramenta inestimável para
desenhar aparelhos auditivos, implantes cocleares e no estudo da audição como
um todo.
“A psicoacústica é fundamental”, disse Andrew J. Oxenham,
psicólogo e especialista em audição da Universidade do Minnesota. “É preciso
saber como o sistema auditivo funciona normalmente e como o som se relaciona
com a percepção humana”.
As origens desse campo de estudo remetem há mais de um
século, aos primeiros esforços para quantificar as propriedades psicológicas do
som. Que tons os humanos podiam ouvir e com que altura e sutileza eles precisavam
ser ouvidos? O som agudo pode ser medido em hertz e o grave, em decibéis, mas
outros fenômenos não eram tão facilmente quantificados. A audição humana pode
discernir o movimento do som com um grau surpreendente de precisão. Ela pode
distinguir o timbre e a diferença entre um clarinete e um saxofone. A audição
pode se lembrar de padrões de fala, identificando imediatamente um amigo que
volta a telefonar anos depois da última vez que se ouviu sua voz.
E um pai pode filtrar sem problemas o som de um filho
chorando em meio à barulheira de um jogo de futebol americano passando na TV.
Finalmente, havia os imponderáveis, coisas que fazemos com
nossa audição simplesmente porque podemos.
“Todo mundo sabe o som de uma bola de boliche rolando pela
pista”, disse William M. Hartmann, médico da Michigan State University e
ex-presidente da Acoustical Society of America. “O que existe nesse som que
podemos identificá-lo?” Durante boa parte do século 20, os engenheiros se
dedicaram a desenvolver equipamentos acústicos como amplificadores,
alto-falantes e sistemas de gravação. Depois da Segunda Guerra Mundial, os
cientistas aprenderam a usar fórmulas matemáticas para 'subtrair’ o ruído
indesejado de sinais sonoros.
Depois aprenderam a fazer sinais sonoros sem ruídos
indesejados. A seguir veio o estéreo. Gravando dois canais, os engenheiros
podiam localizar som para o ouvinte.
“É bastante simples”, disse Alan Kraemer, diretor
tecnológico da SRS Labs, empresa de áudio de Santa Ana, Califórnia. “Se uma
coisa for mais alta de um lado, você vai ouvi-la daquele lado”.
Entretanto, o estéreo não tinha psicoacústica. Ele criava
uma sensação artificial de espaço com um segundo canal, mas o fazia lidando com
apenas uma variável – o grave – e aumentava a percepção humana simplesmente
sugerindo que os ouvintes separassem seus alto-falantes.
A era digital mudou tudo isso, permitindo que os engenheiros
manipulassem o som de jeitos nunca tentados antes. Eles podiam criar sons que
nunca existiram, eliminar aqueles que não queriam e usar mudanças constantes em
combinações de filtro para proporcionar um som com uma fidelidade que nunca
antes fora possível.
A tecnologia digital levou a inovações fundamentais para a
melhoria da reprodução do som, na fabricação sob medida de aparelhos de surdez
para pacientes individuais, no tratamento de deficiências auditivas e no
desenvolvimento de implantes cocleares – minúsculos aparelhos eletrônicos que
ligam o som diretamente ao nervo acústico de uma pessoa surda.
“Aparelhos para surdez não são iguais a óculos”, afirmou
Oxenham, da Universidade de Minnesota. “A questão nunca foi apenas ouvir o som,
mas também compreendê-lo e separá-lo do ruído de fundo. Nós podemos ajudar com
microprocessadores. Sem eles seria impossível”.
No entanto, apesar dos avanços recentes, a psicoacústica tem
mostrado aos engenheiros que eles ainda têm um longo caminho a percorrer. Até
agora, nenhuma máquina pode duplicar a capacidade do ouvido humano compreender
uma conversa num restaurante lotado. Segundo Oxenham, pessoas com implantes
cocleares sofrem bastante com ruído de fundo.
Elas também têm problemas com percepção de agudos e em
distinguir os sons de instrumentos diferentes.
'Aros de indução magnética’, transmissores que enviam sinais
sonoros diretamente para um receptor num aparelho de surdez, estão começando a
ser usados em salas de concerto, locais de culto e até em cabines no metrô.
“A tecnologia está realmente crescendo”, declarou Hartmann,
da Michigan State. Por causa da psicoacústica, “nós sabemos muito mais e,
assim, podemos fazer muito mais”, mas “existe muito mais a fazer”.
Para ele, um fato que reduz o ritmo da inovação é que o
sistema auditivo humano é “altamente não linear”. É difícil isolar ou mudar uma
variável só, como o grave, sem afetar várias outras de maneiras imprevistas.
“As coisas não seguem um padrão intuitivo”.
Em parte foi essa anomalia que levou Kyriakakis, na década
de 1990, a se aventurar na psicoacústica. Ele, Tomlinson Holman, seu colega da
faculdade de cinema da USC, e seus alunos estavam tentando melhorar as
qualidades de audição de uma sala medindo o som com microfones colocados
estrategicamente.
“Muitas vezes nossas mudanças eram piores do que não fazer
nada”, afirmou Kyriakakis. “O microfone gostava do som, mas o ouvido humano não
gostava nem um pouco. Nós precisávamos descobrir o que tínhamos de fazer,
tínhamos de aprender sobre psicoacústica”.
O complicado era estabelecer parâmetros para o que soava
melhor, mas não havia manual que ensinasse isso. Assim, Kyriakakis e seus
alunos foram ao Boston Symphony Hall realizar uma série de testes e gravar o
'Messias’.
Naquela época, os técnicos em acústica sabiam há tempos que
uma sala de concerto em formato de caixa de sapato como a de Boston oferecia o
melhor som, mas o importante para Kyriakakis era saber por que o ouvido e o
cérebro, que processavam o sinal, sentiam isso.
De volta a Los Angeles, sua equipe começou uma série de
experimentos simples. Ouvintes eram convidados aos laboratórios para ouvir
testes de Boston, música e classificar o som, numa escala de um a cinco. Os
pesquisadores trocavam o som de acordo com combinações diferentes de alto-falantes
na sala.
As estatísticas mostravam que alto-falantes diretamente à
frente, combinados com outros a 55 graus dos dois lados do ouvinte, geravam o
cenário sonoro mais atraente. Os alto-falantes 'amplos’ imitavam o reflexo das
paredes laterais da sala de concerto fazendo o som chegar aos ouvidos do
ouvinte milissegundos depois que o som da frente. Som de outros ângulos não
causava um efeito tão bom.
A seguir, a equipe perguntou aos ouvintes que combinação de
alto-falantes dava a melhor impressão de 'profundidade de palco’. Novamente, a
estatística mostrava uma preferência clara na frente e bem acima dos ouvintes.
Esse som – também levemente atrasado – dava ao ouvido e ao cérebro a sensação
de onde estavam os diferentes instrumentos no palco.
Com esses resultados em seu modelo, Kyriakakis fundou a
Audyssey. Sua ideia era fazer recantos e salas de estar soarem como salas de
concerto ou cinemas. Os microprocessadores possibilitavam filtrar o som para
minimizar distorções e acrescentar camadas que o tornassem quase perfeito para
o ouvido humano de qualquer lugar na sala.
O primeiro produto da Audyssey, o MultEQ, começou com uma
configuração de cinco alto-falantes, mas para propiciar um efeito de sala de
concerto integral, ela agora oferece o que Kyriakakis chama de sistema “11.2”:
três alto-falantes na frente do ouvinte, dois alto-falantes elevados, dois
configurados como 'amplo’, dois levemente atrás do ouvinte e dois diretamente
nas costas. Receptores de áudio e vídeo com a tecnologia MultEQ mais recente da
Audyssey custam entre US$ 1.000 e US$ 2.000.
Para o ouvinte que não é sofisticado, um equipamento de som
topo de linha basta, mas não é como a versão ajustada com a psicoacústica. Um
videoclipe dos Eagles cantando 'Hotel California’ soava bem para um visitante
até que o diretor de hardware da Audyssey, Andrew Turner, assinalou que não
havia graves quando o volume era baixo. Ele apertou um botão e o grave voltou,
enriquecendo a música com um efeito surpreendente.
“No show em si, onde havia uma sala grande com muito som em
volume alto, dava para ouvir os tons graves, mas aqui no estúdio, o cérebro os
filtra como irrelevantes em volume baixo. Então, é preciso recuperá-los. É
psicoacústica pura”.
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