Desde as mais remotas eras o ser humano sempre
procurou um meio de expressar-se. Ora para aplacar
as forças da natureza, para invocar as divinda desque as governavam ou para
celebrar algo que fosse importante para o grupo, representando, de formas
variadas, fenômenos e seres ao seu redor. O canto de um Xamã, invocando as
divindades, esculturas entalhadas em pedra, imagens e pinturas representativas de
animais, deuses e semi-deuses, são os primeiros passos da grandiosa aventura
criativa da civilização. A priori não
poderia existir uma única fórmula que fosse
apreendida e ensinada como um padrão efetivo no
processo da criação conceitual
e artística. O dilema e a grande dificuldade de qualquer forma de expressão de
arte atualmente existente - ou ainda a ser desenvolvida - reside no fato
da multiplicidade e diversidade da natureza do meio do realizador, bem como de
seu modus operandi.
Se hoje vemos uma pintura
rupestre ou o entalhe em rocha da Vênus
de Laussel (28.000 AC) e
"sentimos" que é uma arte dita "primitiva" - e por essa razão, extremamente pura e
despojada de pretensão (?) -, podemos presumir de forma errônea, pois esses homens
e mulheres tinham a intenção de ritualizar o que
para eles era considerado algo
mágico, sobrenatural, religioso - e posteriormente - cívico, político e social.
Então, essas expressões, não tinham o olhar estético que hoje, desde a mais tenra idade possuímos,
pois seu modo era, fundamentalmente, ritual, o que permaneceu desse
modo por milênios. Há pouco mais de sete séculos vivemos a era estética. Desde
J. S. Bach (e durante todo o século XVII -, quando o processo de criação musical
estava subordinado a uma ordem e regras muitas vezes restritivas - o próprio
Bach subverteu essa mesma ordem, enriquecendo sobremaneira a herança musical
da humanidade -, até o presente momento, em que sofisticados software e
hardware, gerenciados por tecnologias de última
geração, realizam complexas
operações) os inventores da arte atual deparam-se com grandes dilemas. Se por um
lado as facilidades trazidas pela
moderna tecnologia realizam facilmente
tarefas de extrema complexidade nunca antes imaginadas a um custo de
produção muito baixo, a profunda compreensão dos
meios de criação e produção de
nossos antepassados não estão tendo a
devida atenção. Essa constatação
remete-nos a uma padronização conceitual e intelectual de baixo nível, superficial,
com pouco conteúdo, baseando-se em valores que estruturaram-se e
consolidaram-se nos últimos trinta anos. Esses mesmos valores e conceitos são direcionados
exclusivamente pelo mercado, com suas relações de investimento e retorno
financeiro, gerenciados pela fórmula dos quatro pês (do marketing). Por detrás do
"conteúdo atrativo" de alguma criação artística - produto ou serviço, pessoal ou coletiva
- de modo especial em música e cinema - existe um elaborado plano de promoção e
venda. Claro que a cena atual está repleta de
exceções, devido principalmente
a esforços pessoais e de pequenos grupos organizados. Comparativamente,
a relação entre a proporção aritmética desses oásis criativos e a proporção
geométrica dos produtos de consumo de massa impostos por poderosos grupos
econômicos detentores de organizadas estruturas comerciais e promocionais não
chega a ser significante, mas o processo de pasteurização da arte e da
cultura atuais influencia diretamente os criadores, que infelizmente, acabam - com o
passar do tempo - por fazer mais e mais concessões, desfigurando, por completo,
algo que poderia ser diferencial.
Fórmulas
padronizadas estão sendo
amplamente difundidas através dos mais variados meios. Que essas criações
estereotipadas, essas meias verdades, objetivam o lucro não resta dúvida - o que não
acontecia nos séculos passados, mesmo se uma obra fosse encomendada ou se o
artista fosse um simples empregado que
deveria
produzir arte para o consumo do
patrão.
Ao fruir os quadros de um
Bruegel, um Boticelli ou de um Archinboldo, as esculturas e formas
arquitetônicas de um Michelangelo, Bernini ou Borromini, os sons proféticos de um Gesualdo
da Venosa , a fantasia das Mil e Uma Noites ou as maravilhosas aventuras do
Quixote de Cervantes, deparamo-nos com algo
desconcertante, pois
constata-se que todos esses fazeres e meios vieram de um único local: a imaginação
humana. Claro que a idéia inicial - matéria prima do todo criativo - foi, pode e deve ser
filtrada, trabalhada, exaustivamente estudada, calculada, transformada,
variada, adicionada e tantas vezes modificada e
repensada. Mas mantém-se
inalterada a sua essência - a
engenhosidade da invenção. Podemos, hoje,
visualizar uma página da web - através dos pré- fabricados templates - e o
"pai da criança" garantirá que é uma obra de arte do mais alto nível, que não pode
ser mudada em nada e ai daquele que discordar ou
fizer alguma sugestão... Outro
grande dilema: o que é arte hoje? Claro que o exemplo extremo acima citado deixa
transparecer claramente o pouco ou nenhum conhecimento dos grandes
mestres do passado - alguns de talento tão grande que algumas obras chegam a ser
incompreensíveis para o público
leigo. Loops,
templates, samplers,
copy and paste são alguns exemplos do processo criativo contemporâneo. A técnica -
computacional ou não - substituiu a criatividade e o processo de "artesanato
artístico" por algo já esperado, padronizado e pasteurizado. Os fazedores de
arte e de cultura reproduzem padrões, as agências anunciam, os comerciantes
vendem e o público consome. Uma cadeia que nos remete ao conto de João do Rio,
do início do século XX: O Homem da Cabeça de Papelão. Na "contra-cultura
da mediocridade" anda, felizmente, a grande maioria dos escritores e dos cineastas,
teatrólogos, pintores, companhias de balé e alguns músicos e grupos musicais
alternativos os quais desenvolvem produtos, idéias e conceitos inovadores que podem
trazer visões realmente diferenciadas em um
mundo em constante
transformação
Andersen Viana
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