Rodrigo Cicchelli Velloso
Compositor, Rodrigo Cicchelli Velloso é docente da EM e atualmente também produz e apresenta “Eletroacústicas” – programa que vai ao ar às quartas-feiras, à meia-noite, na Rádio MEC FM (98,9 MHz). Ao Leopoldo, apresentou um panorama dos caminhos percorridos e do debate ainda presente quando o tema é a música intitulada moderna.
Qual a origem e as principais características da música moderna?
A música que surge na segunda metade do século passado foi profundamente marcada por um grande ímpeto vanguardista e por uma crescente fragmentação estética. Não se pode, portanto, falar em um único “movimento”, mas em várias escolas de pensamento contrastantes, por vezes antagônicas. A cidade alemã de Darmstadt, onde um fervilhante curso de verão reunia a nata da música nova do pós-guerra, foi inegavelmente o principal polo de gestação e difusão das ideias e técnicas composicionais que marcaram a vanguarda internacional. Em linhas gerais, diria que os traços mais marcantes são a busca da consolidação de métodos composicionais pós-tonais. A via serial talvez tenha sido a mais influente e dominante. O uso de tecnologias eletroeletrônicas também tem destaque a partir do final dos anos 1940, bem como as inovações em notação e as técnicas instrumentais estendidas. Mas é preciso compreender estas e outras novidades técnicas como o resultado de posicionamentos estéticos muitas vezes divergentes.
Pode apresentar um panorama das principais correntes do período?
Olhando a uma distância de mais de 50 anos, eu destacaria: a Geração de Darmstadt, com Stockhausen, Boulez, Berio e muitos outros, que se notabilizaram pela generalização do princípio serial, seja na produção de música instrumental ou eletrônica; o advento da musique concrète (em 1948), criação do compositor e pesquisador francês Pierre Schaeffer, de profundo impacto e consequências, não só para o fazer musical, mas também por colocar em questão e estender o próprio conceito de escuta e do que é um som musical; e o experimentalismo norte-americano, tão bem sintetizado pela figura de John Cage, que incorporou ao tecido composicional o acaso e a indeterminação, colocando em xeque a noção do que é música. Houve diversos desdobramentos destas “matrizes” principais (muitas vezes como reação a elas!), que de resto eram de certa forma antagônicas. Com reflexos ainda nos dias de hoje, eu chamaria a atenção para o pós-serialismo, com destaque para os compositores da Nova Complexidade, a música algorítmica (de Xenakis ao videogame!), as numerosas ramificações da música eletroacústica, o minimalismo, a música espectral, multimídia... Houve também tendências “restauradoras”, movimentos de retomada da tonalidade, neorromânticos, neo-isso, neo-aquilo... A lista é muito longa!
No Brasil, quais os caminhos e compositores mais representativos?
Aqui, onde já se compunha música dodecafônica nos anos 1940, os anos 1950 foram marcados pela mudança de orientação dos compositores ligados ao Música Viva de Koellreutter, que foram profundamente influenciados pelas diretrizes do II Congresso Internacional de Compositores e Críticos Musicais realizado em Praga, em 1948. Dentre elas, destacamos a condenação aos “excessos experimentais” e o incentivo a que os compositores enfatizassem suas culturas nacionais. O nacionalismo, portanto, ganha novo ímpeto e se reafirma como tendência dominante aqui por muitos anos, passando a perder força a partir dos anos 1980, com o desaparecimento paulatino de seus principais representantes. Iniciativas de renovação e vanguarda vão pipocar aqui e ali, com o pessoal do Música Nova de São Paulo, as gerações que surgem a partir dos anos 1960, o Grupo de Compositores da Bahia, muitos em intercâmbio com o que se fazia fora do Brasil. Impossível destacar apenas alguns nomes! Mas, para não deixar a pergunta inteiramente sem resposta, mencionemos Jocy de Oliveira e Jorge Antunes – que celebram em 2011 cinquenta anos de produção musical com recursos eletroacústicos e se inserem nas tendências de cunho mais renovador do espectro musical.
Qual a importância da música moderna?
Mas de qual música moderna estamos falando? A adjetivação nos faz ganhar em precisão conceitual (música estocástica não é música serial, que não é concreta, sendo todas elas modernas), tornando o objeto mais distante, particularizando-o num determinado aspecto. Mas esta também passa a ser uma outra música, num mundo em que a noção do que seja ela se fragmentou. Assim, as músicas modernas são, ao mesmo tempo, um fenômeno histórico e contemporâneo, assim como as músicas antigas, com seus movimentos de renovação instrumental. A volta ao passado não deixa de ser, paradoxalmente, uma renovação em relação ao que se fazia ainda há pouco. E, no limite, como já apontou Norbert Elias, o tempo não existe em si. As músicas serão modernas se estiverem sendo feitas agora e se tiverem a capacidade de influenciar as novas gerações de compositores, a quem caberá atribuir a estas músicas a sua importância.
Maria Celina Machado
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