Particularmente,
eu, mulher e negra – e que, eventualmente me considero escritora, anônima, mas
ainda assim escritora – conheço pouco de literatura feminina, quem dirá
feminina e negra (aceito sugestões!).
Há
pouco comecei a ler “Quarto de despejo – Diário de uma Favelada”, da
maravilhosa Carolina Maria de Jesus. Me apaixonei por suas palavras… Portanto,
esse texto segue com suas bases em cima da favelada que se letrou só, catando
papel no lixo na década de 50, criando uma literatura própria e extremamente
pessoal, que escrevia todos os dias pra mostrar a realidade da favela. Quero
ressaltar que, tão pessoal quanto o diário de Maria Carolina, o meu texto
também o é.
O
livro abre portas para um contingente gigantesco de questões que permeiam e
embasam a discussão sobre etnias, gêneros, divisões de classes… Mas o que quero
propor de fato é uma reflexão pensada a partir de uma única questão: o que é
uma literatura feminina e negra? Venho pensando nisso e sinto que é mais uma
das formas de lutar, diariamente por uma identidade excepcionalmente deturpada,
a de ser mulher e ser negra.
Há
um imenso arsenal de livros conhecidíssimos sobre negros e não propriamente
escritos por negros. E Quarto de Despejo, pode ser entendido como um marco
(pouco conhecido), por trazer maravilhosamente a ideia de uma cultura negra
existente e ativa, escrita por uma pessoa que vive na pele a condição de o ser.
Carolina se demonstrava muito segura de si em relação à sua cultura e etnia bem
como ao seu sexo, percebendo que poderia viver como quizesse (algo que em sua
época ainda era muito contestado), mesmo que dentro das limitações impostas por
sua condição social .
A
nossa autora sabe que para cuidar de seus filhos, por exemplo, pode o fazer
sozinha sem sucumbir aos preconceitos que recebe por conta de suas decisões.
Assim, percebo na escrita da Carolina uma busca por uma identidade própria num
período onde o “ser negro” é ainda tido como inferior ao mesmo tempo em que, em
todos os momentos, ressalta sua etnia com orgulho.
“…Eu
escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles me respondia:
-
É pena você ser preta.
Esquecendo
eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o
cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de
preto, onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento
na cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações,
eu quero voltar sempre preta…Um dia, um branco me disse:
-
Se os pretos tivessem chegado ao mundo depois dos brancos, aí os brancos podiam
protestar com razão. Mas, nem o branco nem o preto conhece a sua origem.
O
branco é o que diz que é superior. Mas que superioridade apresenta o branco? Se
o negro bebe pinga, o branco bebe. A enferminade que atinge o preto, atinge o
branco. Se o branco sente fome, o negro também. A natureza não seleciona
ninguém.” Carolina Maria de Jesus
O
curioso no livro como um todo é a ferrenha crítica social que esta mulher
emprega à sociedade em que vive, onde lembra-se sempre da condição em que o
“preto” se encontra, bem como a questão pessoal de ter optado por não ter
marido e cuidar de seus três filhos sem ajuda externa. São situações que se
pensadas atualmente, se renovam e se impõem diante de inúmeras de nós. A
sensibilidade que ela cria em suas narrações e descrições faz com que tenhamos
o seu universo percebido em nossas vidas. Dessas percepções tão sutis dela,
tiro as minhas próprias.
Acredito
fielmente no poder da literatura. E acredito que a luta negra e feminista está
muito bem encaminhada, pois é cada vez mais conhecida e propagada (embora,
muito se conteste sobre nós e nossos direitos, seja o de recebermos cotas,
abortar, ir e vir sem sofrer com humilhações…). Sinto que uniar literatura à
busca por ideais é um meio tão tranformador que pode gerar fins que antes
talvez nem fossem cogitados.
Carolina
Maria de Jesus percebia isso e, todos os dias em sua lida diária para colocar
comida dentro de sua casa, não se cansava nunca de escrever. Sinto que nós,
mulheres e negras, com nossos poemas, nossas palavras, nossos manifestos
pessoais, temos muito a dizer. Vejo que nossa literatura que exalta o que somos
e reafirma de onde viemos e o porque do nosso orgulho, precisa existir, para mostrar
não só o poder da palavra, mas o poder do existir pelo que somos.
Marina
da Silva Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário