terça-feira, 9 de abril de 2013

O Início da Modernidade



Há um século, as premières de Pierrot Lunaire de Schöemberg, Jeux de Debussy e Le sacre Du
printemps de Stravinsky representavam o efetivo início do século XX musical.
 
O século XIX, o das grandes emoções, chegava ao fim. Ele daria lugar ao século XX, período das grandes invenções técnicas. Era o tempo do aperfeiçoamento das descobertas mecânicas herdadas da Revolução Industrial, que tornavam a vida mais fácil e representava uma extensão da força e da habilidade do músculo. Mais tarde, com o descobrimento da inteligência artificial e do transistor veio à revolução digital, a da extensão do poder da mente.
Na virada do século XIX para o XX ninguém queria ver o fim as paixões desenfreadas, do prazer sem limites, da orgia mental. Mesmo porque vivia-se em uma Europa em paz e em um período de efervescência cultural e criatividade artística. Não sem razão, esse estado de coisas foi chamado de Belle époque. –
Mas a mente seguia sua tendência evolutiva natural e aas descobertas traria transformações não só na área intelectual e comportamental, mas também na artística. Com as descobertas de Freud em relação ao inconsciente, o ser humano começou a perceber que atrás da fachada de delírios e prazeres havia tumultuados labirintos da alma, que revelaram a complexidade da psique humana, bem diversa daquela avalanche de encantamentos.
A exaustão dos recursos composicionais oriundos do fim da Renascença levou os mais talentosos autores daquela virada de século a buscar novas soluções criadoras. Colocaram uma bomba nos códigos composicionais existentes, a fim de limpar o terreno para uma nova música, a do novo século, algo que se relacionava com o que ocorria nas transformações filosóficas.
As três obras, que, a meu ver, representam com nitidez essa ruptura com o passado são: Pierrot Lunaire de Shöemberg, estreada em Berlim em outubro de 1912. Jeux de Debussy e Le sacre de pritemps (a sagração da primavera) de Stravinsky, estreadas em Paris em maio de 1913.
Pierrot, oriunda da tradição pós-wagneriana, questionava o próprio vocabulário da escrita musical do Ocidente, a estrutura tonal de nossa música. Renegá-la, ao chegar uma solução atonal seria o mesmo que abandonar uma língua, construir outra e, nela, criar uma nova música. O desdobramento desse raciocínio culminou com o “dodecafonismo”, técnica composicional na qual os sons forram completamente filtrados e atomizados, tonados independentes para se relacionarem ao bel prazer do autor, sem mais seguir centenários códigos existentes.
No caso de Jeux, Debussy desarma as famílias instrumentais, misturando as sonoridades de forma aleatória. Quase onírica. Quebra os códigos lineares da narração, deixando o som se transformar delicadamente no espaço cênico do balé. Escrita em 80% em piano e pianíssimo, a obra apontou no sentido da liberação das coreses sonoras.
Duas semanas depois de Jeux, porém, aconteceria, no mesmo Théâtre dês Champs-Élysées de Paris, regida pelo mesmo Pierre Monteux, o grande escândalo que sinalizaria, mais que qualquer outra obra, a revolução musical do século XX: A sagração da primavera, de Igor Stravinsky. Criada sob encomenda e sob ordens e provocações do maior produtor cultural do século, Sei Diaghilev, a Sagração aparentava uma desenfreada cacofonia, na qual todos os conceitos tradicionais rítmicos, melódicos, harmônicos, timbrísticos, e narrativos, inclusive coregráfico-dramatúrgicos, iam pelos ares. Ninguém entendeu nada. Nem músicos, nem plateia, nem críticos, Se Jeux deixou o público perplexo, a Sagração o enfureceu.
Aquilo que parecia um emaranhado agressivo de sonoridades estapafúrdias era, na realidade, a mais bem pensada, realizada e criativa obra musical do século XX, segundo opinião de muitos, inclusive deste     que vos escreve. Parece que aquela explosão stravinskyana, tanto quanto os escritos de Freud, despertava o ser para uma nova realidade, uma nova era. Acabava a beleza, o delírio. As artes iriam mergulhar em um mar de incertezas, como nos mostra o surgimento de mais “ismos” naqueles cinquenta anos que em toda a história anterior.
O fim da belle époque seria também a instauração de um pessimismo generalizado, aparente nas criações do Expressionismo. Na área dos bens de consumo, a modernização da indústria, ao contrário do otimismo anterior, provocaria uma exacerbada competividade nas nações europeias, que, ampliando também o armamentismo, chegaram à Primeira Guerra Mundial.
Da inauguração da modernidade, naquela segunda década ficaram as tristes lembranças de um conflito mundial e, na área cultural, três obras, Pierrot, Jeux e Sacre, que encantarão a humanidade até o fim dos tempos.
Júlio Medaglia
Revista concerto – março 2013 – p. 14

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