Os
músicos da Osesp aplaudiram muito o maestro russo Michail Jurowski, após a
execução da décima sinfonia de Shostakovich, na Sala São Paulo. De fato, a
performance fora arrebatadora. E, de fato, ele exibiu uma intimidade
diferenciada com a sinfonia do compositor com o qual chegou a tocar piano a
quatro mãos. Mas não é considerado um dos grandes regentes da atualidade.
Construiu sua carreira em torno de repertórios alternativos. Aos 68 anos, cabelos
e barba ralos e brancos, alquebrado e de bengala, compôs a figura de veterano e
sábio profissional da batuta.
Na
sinfonia, extraiu da Osesp o que ela não sabia que podia dar, em termos de
maturidade e requinte no fraseado, dinâmica e alquimia do equilíbrio entre os
timbres. Um triunfo. Jurowski repetiu a mágica que Frank Shipway já fez várias
vezes no pódio da Sala São Paulo.
Mas o
entusiasmo dos músicos em cena aberta foi tão grande que saí da Sala São Paulo
me perguntando por que as orquestras se transfiguram tanto com certos regentes
convidados, que só trabalham com os músicos por três, quatro ensaios e três
concertos durante uma semana. A Osesp tem dado inúmeros exemplos dessa
transfiguração (a mais espantosa costuma acontecer com Shipway).
Chistian
Merlin, autor do recente livro Au Coeur de l'Orchestre (Ed. Fayard, Paris,
2012), ajuda a entender o fenômeno ao distinguir dois tipos de maestro. O
primeiro: os "don juans", que seduzem uma orquestra por uma semana,
mas não se saem bem quando casam com uma delas. Cita André Previn como
protótipo do "regente convidado": fulgurante no primeiro concerto,
entediante como comandante fixo. Do outro lado, regentes como Simon Rattle (25
anos com a orquestra de Birmingham e 11 com a de Berlim) que só se dão bem casando.
O
problema básico é que hoje em dia as orquestras fazem demasiadamente
"música casual" com batutas convidadas, não se beneficiam da presença
do titular no dia a dia. Como os titulares se dividem entre várias orquestras,
Merlin diz que "seu poder se desloca cada vez mais para as mãos do diretor
administrativo, com frequência nomeado antes do diretor musical e nem sempre
com visão artística tão forte quanto a do maestro". Talvez isso explique
por que a Osesp fica tão seduzida por determinados regentes convidados.
Mas a
noite começou esplêndida, com o concerto para violoncelo do compositor polonês
Witold Lutoslawski. Obra de 1970, não cede à facilidade. É complexa. Começa com
uma enorme cadência solo sob um pedal longuíssimo, que sustenta uma música
tecida de modo pontilista, isto é, estilhaçada em aéreas combinações de
timbres. O comando está sempre com o violoncelista - no caso, o holandês Pieter
Wispelwey (foto), músico notável que, por meio de expressões faciais e
corporais, faz do ato de tocar uma explosão de comunicabilidade com o público.
Estadão/JOÃO MARCOS COELHO
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