Queira ele ou não, a data redonda contribui para uma série
de projetos em torno do seu nome: um livro reunindo todas as suas letras; uma
biografia musical escrita pelo compositor Chico Amaral; e um espetáculo da
dupla Charles Möeller e Claudio Botelho. Todas as iniciativas ressaltam o lugar
singular de Milton na música brasileira, e não só pela voz privilegiada.
Ele conta que apenas em 1964, nove anos depois de formar seu
primeiro conjunto musical (o Luar de Prata, com Wagner Tiso), decidiu começar a
compor. Já tocava piano e contrabaixo há muito tempo. Levado por Márcio Borges
para assistir a "Jules e Jim", de François Truffaut, saiu tão abalado
após quatro sessões seguidas do filme que foi para a casa do amigo e os dois
fizeram três músicas numa noite.
— O Marcinho tinha ficado uns três meses insistindo comigo e
eu dizendo que não queria compor. Quando topei, a alegria ficou estampada na
cara dele. Mas eu disse que tinha um negócio: "Não quero que as músicas
que, por acaso, eu vier a compor se pareçam com nada. Vai ser uma coisa
minha" — lembra Milton.
Se colegas de geração como Chico Buarque, Edu Lobo e Caetano
Veloso põem a bossa nova como gênese de sua produção musical, Milton já se
iniciara nos bailes da vida quando João Gilberto apareceu com "Chega de
saudade". Em Três Pontas, onde teve programa de rádio, ele ouvia rock e
músicas italianas, francesas, espanholas. Ganhou uma bagagem grande e diversificada.
— Quando cheguei em Belo Horizonte (no início da década de
1960, fazendo a mudança definitiva em 1963), vi músicos de jazz tocando e
pensei: "Vou ter que aprender tudo de novo". Mas me disseram:
"Não mexe nas coisas que você faz, porque ninguém faz isso". A bossa
nova serviu como estímulo para eu compor algo que não parecesse com nada de
ninguém. Tom Jobim era o tal para mim e continua sendo — afirma.
Às canções jobinianas e a tudo o que já conhecia se somaram
"Sketches of Spain", de Miles Davis, e os Beatles. No livro que está
preparando, provisoriamente chamado "A música de Milton Nascimento",
o mineiro Chico Amaral quer detalhar essas influências e mostrar como Milton
fere a tal linha evolutiva da música brasileira — ao menos se vista como linha
reta, de formação até a bossa nova e de modernização a partir dela, sendo o
tropicalismo seu passo mais ousado.
— Há muitas inovações importantes que ficam praticamente
fora dessa história, como o samba-jazz. E o primeiro disco de Milton (de 1967)
foi com o Tamba Trio. Ele ainda incorporou manifestações rurais sem isolá-las
das urbanas. Juntou Villa-Lobos, Beatles, Baden Powell, Nordeste. Sempre deu um
passo além — diz Chico.
É quase senso comum que, sobretudo como compositor, Milton
não manteve, a partir dos anos 1990, a força das décadas anteriores. Para
Chico, "o declínio não é de Milton, mas da sociedade".
— Estamos na ressaca da cultura de massa. É um momento de
saturação, em que se ouve muita música, mas ninguém para e escuta um disco com
calma. Chico, Caetano, Milton continuam fazendo coisas importantes, mas não é
como nos anos 1960, em que a sociedade participou de uma espécie de gênio
coletivo — diz ele.
Parte do repertório da turnê de Milton vem da primeira fase
da carreira: "Travessia", "Morro velho", "Canção do
sal", "Vera Cruz". Outra estava em "Clube da esquina":
"Cais", "San Vicente", "Nada será como antes". E
há as músicas de Lô Borges ("Nuvem cigana", "Para Lennon e
McCartney"), que fica no palco quase todo o tempo ao lado do amigo. Os
dois pretendem montar outro show juntos apenas para marcar os 40 anos do disco.
Inéditas, só em 2013.
— Tenho feito letras. Mas, quando engrenar de vez, vou
chamar Márcio, Fernando (Brant) e Ronaldo (Bastos). Estamos meio parados, mas
não separados nem brigados — avisa ele, sobre seus parceiros frequentes.
As novas criações serão incluídas no livro que o jornalista
Danilo Nuha está preparando com as cerca de 60 letras já escritas por Milton —
"Pai grande", "Canção do sal" etc. O lançamento está
previsto para outubro pela Casa da Palavra.
Em 5 de agosto, no Teatro Net Rio - Sala Tereza Rachel,
estreará "Milton Nascimento — Nada será como antes", musical que
Charles Möeller e Claudio Botelho acalentam fazer há cinco anos.
— Serão 50 canções, 12 atores, seis músicos e um roteiro que
trata as canções como pequenas peças de teatro, ou blocos de canções como
cenas. Não é uma biografia, mas uma visão teatral da obra dele desde
"Travessia" — conta o mineiro Claudio, que ouviu Milton pela primeira
vez aos 12 anos, cantando "O que será (À flor da pele)", ao lado de
Chico Buarque, no disco "Geraes". — Aquela voz desatou algo em mim
que realmente mudou a vida. Acho que quem ouve o Milton pela primeira vez é
imediatamente transformado por ele.
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