terça-feira, 19 de novembro de 2013

Antes do rádio - Projeto revela a produção musical feita pela propaganda


No início, não era nem o verbo. Eram as notas. Sem rádio nem TV, só as partituras poderiam tocar os corações dos donos de fazenda para que comprassem o Formicida Guanabara, comover as senhoras de boa índole para que tomassem as águas cristalinas da Fonte do Lambary, seduzir as senhoritas de segundas intenções a perfumar-se com Feno de Atkinsons. A publicidade nasceu antes de o mundo ganhar trilha sonora. Os fabricantes anunciavam seus produtos com uma pequena nota de rodapé: "Compre as lâmpadas Pyrilampo e leve uma partitura para casa". No momento de retirar a encomenda no balcão da loja, o cliente levava uma partitura gratuita.
Antes do rádio, entre o final dos anos 1800 e o início dos 1900, as partituras de choros, valsas, polcas, mazurcas e cançonetas registraram uma produção de jingles que o País ainda não havia catalogado. Até que o pesquisador Paulo Cezar Alves Goulart resolveu a questão, compilando as partituras que encontrava depois de seguir as pistas de anúncios publicados em jornais e revistas. O resultado está no projeto Partituras Publicitárias - Antes do Rádio, realizado pelo Instituto Cultural da faculdade ESPM.

Apesar de não estar à venda, o projeto, de livro e CD, terá todas as suas 15 faixas disponíveis no site da ESPM. Arranjados pelo pianista Amilton Godoy, as músicas da época receberam tratamentos que respeitaram suas intenções originais.

Uma das curiosidades reveladas pelo levantamento é a presença de Ernesto Nazareth como, segundo a pesquisa, o músico mais atuante na produção de partituras publicitárias desta época. São contempladas desde Odeon, famosa peça feita para homenagear o cinema em que tocava no Rio de Janeiro, antes das exibições dos filmes, até trabalhos mais desconhecidos, como A Fonte do Lambary, criado a pedido de sua editora para agradar a um cliente fabricante das águas.

Há pelo menos um compositor misterioso creditado como Língua de Mel, que assina a cançoneta Oh Phelia. "Quereis um hálito de rosas e os dentes brancos e limpos? Usai o pó dentifrício Ophelia", diz o anúncio feito na própria partitura. A mais antiga música publicitária gravada no Brasil, segundo o pesquisador Goulart, revela a linguagem musical e de marketing de uma era: "Dona Miloca recusara um dia / dos pós Ophelia a prenda de valia / se desejais um hálito de rosas / para tornar-vos inda mais formosas / esse e mais outros perenais proventos / tereis apenas por mil e quinhentos..."

Estadão

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