No início,
não era nem o verbo. Eram as notas. Sem rádio nem TV, só as partituras poderiam
tocar os corações dos donos de fazenda para que comprassem o Formicida
Guanabara, comover as senhoras de boa índole para que tomassem as águas
cristalinas da Fonte do Lambary, seduzir as senhoritas de segundas intenções a
perfumar-se com Feno de Atkinsons. A publicidade nasceu antes de o mundo ganhar
trilha sonora. Os fabricantes anunciavam seus produtos com uma pequena nota de
rodapé: "Compre as lâmpadas Pyrilampo e leve uma partitura para
casa". No momento de retirar a encomenda no balcão da loja, o cliente
levava uma partitura gratuita.
Antes do
rádio, entre o final dos anos 1800 e o início dos 1900, as partituras de
choros, valsas, polcas, mazurcas e cançonetas registraram uma produção de
jingles que o País ainda não havia catalogado. Até que o pesquisador Paulo
Cezar Alves Goulart resolveu a questão, compilando as partituras que encontrava
depois de seguir as pistas de anúncios publicados em jornais e revistas. O
resultado está no projeto Partituras Publicitárias - Antes do Rádio, realizado
pelo Instituto Cultural da faculdade ESPM.
Apesar de
não estar à venda, o projeto, de livro e CD, terá todas as suas 15 faixas
disponíveis no site da ESPM. Arranjados pelo pianista Amilton Godoy, as músicas
da época receberam tratamentos que respeitaram suas intenções originais.
Uma das
curiosidades reveladas pelo levantamento é a presença de Ernesto Nazareth como,
segundo a pesquisa, o músico mais atuante na produção de partituras
publicitárias desta época. São contempladas desde Odeon, famosa peça feita para
homenagear o cinema em que tocava no Rio de Janeiro, antes das exibições dos
filmes, até trabalhos mais desconhecidos, como A Fonte do Lambary, criado a
pedido de sua editora para agradar a um cliente fabricante das águas.
Há pelo
menos um compositor misterioso creditado como Língua de Mel, que assina a
cançoneta Oh Phelia. "Quereis um hálito de rosas e os dentes brancos e
limpos? Usai o pó dentifrício Ophelia", diz o anúncio feito na própria
partitura. A mais antiga música publicitária gravada no Brasil, segundo o
pesquisador Goulart, revela a linguagem musical e de marketing de uma era:
"Dona Miloca recusara um dia / dos pós Ophelia a prenda de valia / se
desejais um hálito de rosas / para tornar-vos inda mais formosas / esse e mais
outros perenais proventos / tereis apenas por mil e quinhentos..."
Estadão
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