Como fazer
uma matéria tendenciosa, como conduzir os telespectadores ao ponto que
queremos, como selecionar os argumentos que direcionam as pessoas a chegarem às
conclusões que queremos, como desqualificar os argumentos contrários, como
transformar problemas reais (como desigualdades sociais, alterações culturais
da modernidade, crescimento da miséria, crescimento populacional) em argumentos
para induzir os clientes a chegarem a opção favorável aos transgênicos? Nem o
Canal Rural (representante do agronegócio) foi tão eficiente como Aldo Quiroga,
apresentado do programa Matéria de Capa, da TV Cultura de São Paulo. Este nos
deu uma aula de tudo isto.
A partir de
domingo (27/10/2013), devemos nos lembrar a cada ano (nos próximos 15 anos)
deste programa como um marco da perda da credibilidade da TV Cultura.
Credibilidade que foi construída há muitos anos; credibilidade construída a
partir de matérias que ajudavam mostrar os dois lados de forma equilibrada (o
próprio Matéria de Capa fez isto na matéria sobre Belo Monte). Mas hoje, o
Matéria de Capa talvez seja premiado pelo agronegócio – Monsanto etc. –, prêmio
merecido por abordar um lado da questão (importante também, mas apenas um
lado).
Os
cientistas respeitados que são contrários aos transgênicos não foram
entrevistados e muito menos tiveram tempo equivalente ao professor da USP
defensor dos transgênicos. Partiu se do fato consumado (lógica tão apreciada
atualmente); não se mostrou que os transgênicos foram impostos por fato
consumado e desobediência civil, marcados por um lobby no Congresso para
aprovação, desrespeitando todos os alertas de segurança à saúde pública.
Equívoco
jornalístico?
As alergias
resistentes, que estão sendo pesquisadas como resultado dos transgênicos, foram
desprezadas e trabalhou-se com a premissa e pressuposto das inovações como algo
sempre positivo, não se citaram fatos como, por exemplo, os responsáveis pela
liberação dos transgênicos meses depois a liberação, serem contratados por
empresas ligadas aos transgênicos em diversos lugares do mundo, não se
consultou o Greenpeace, que historicamente pesquisa e se contrapõe com argumentos
sólidos e claros, não se falou que 10 anos não representam absolutamente nada
para avaliar sementes que levaram milhões de anos para evoluir (ou ainda, os
efeitos dos transgênicos no organismo de animais alimentados por transgênicos
que serão consumidos pelo ser humano), não se falou da privatização da vida
pelas empresas de transgenia, os efeitos já constatados pela ciência no sentido
dos danos da biodiversidade. Não se falou da dependência da agricultura
familiar e das tradicionais gerada pelo fato das sementes transgênicas não
serem reproduzidas (ou seja, as sementes tradicionais possibilitam o replantio)
e contaminarem destrutivamente as sementes tradicionais.
Foram feitas
relações simplistas de causa e efeito para justificar a transgenia, como a
dolorosa e histórica frase “Quem pode falar para os famintos que não comam
alimentos transgênicos”. Os famintos são frutos não da escassez de alimento –
hoje a questão não é mais a produção ou produtividade, mas a distribuição, a
desigualdade entre nações etc.! Quero acreditar que esta matéria foi um
equívoco jornalístico, uma falta de pesquisa, de melhor adaptação e preocupação
com a imparcialidade. Quando a TV Cultura permite um programa com tal
desequilíbrio ir ao ar, demonstra o fim do sistema que garantia a sua
credibilidade.
Sérgio Batista é cientista social, São Paulo, SP
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