A pequena participação da música erudita nas vendas do ano
passado, em um combalido mercado fonográfico, não desanima Betina Maag Santos,
diretora da gravadora SanCtus Recordings, que acaba de lançar por aqui o
primeiro produto de um promissor catálogo: Ritos de passagem – 1957, do
pianista mineiro Nelson Freire. “Estamos em fase de avaliação, mas de antemão
dá para vislumbrar um mercado carente, com grande potencial”, avalia a violinista
e empresária, que paralelamente à gravadora que criou na Suécia, onde morava em
1995, acaba de fundar a Caecilia Arte, para distribuição dos discos no Brasil.
Com mais de 20 títulos já lançados em seu catálogo, a SanCtus Recordings, que
tem sede em Brasília, se junta a outras pequenas gravadoras para tentar
deslanchar um segmento adormecido do mercado musical.
O lançamento de Ritos de passagem – 1957 marca a inauguração
da SanCtus Recordings no Brasil, depois de 17 anos de atuação na Europa. O álbum
reúne as primeiras gravações de Nelson Freire, que acaba de completar 62 anos
de carreira. Ele tinha 12 quando participou do Concurso Internacional de Piano
do Rio de Janeiro, chamando a atenção entre os 50 competidores.
Classificado em nono lugar, o menino acabou ganhando uma
bolsa de estudos do então presidente Juscelino Kubitscheck que o levou a
estudar na Áustria. Antes de partir, no entanto, Nelson registrou em estúdio as
seis peças de Chopin apresentadas no certame. Perdidas no tempo, elas foram resgatadas
agora pela nova gravadora. O disco traz como faixa bônus o Concerto Imperador,
de Beethoven, gravado ao vivo na antológica apresentação do jovem pianista.
NA INTERNET O casamento com um diplomata afastou a
violinista Betina Maag Santos da carreira solo, diante das constantes mudanças
motivadas pela profissão do marido. A música, no entanto, acabou levando-a a
criar a SanCtus Recordings, cujo batismo deriva do nome da família do próprio
marido.
Tendo como logotipo uma imagem de Santa Cecília, a padroeira
dos músicos, a nova gravadora é voltada para a divulgação de repertório,
gravações e documentos musicais raros, além de dar destaque aos valores
musicais brasileiros e sul-americanos. O cravista colombiano Rafael Puyana, por
exemplo, que vive entre os Estados Unidos e a Europa, será objeto de um dos
próximos lançamentos da gravadora.
“Temos compromisso seriíssimo com a qualidade”, garante
Betina Maag, interessada em associar sempre excelência com qualidade. Daí a
existência de um catálogo de mais de 20 títulos na SanCtus Recordings, que ela
comercializa, também, via loja virtual, abrigada no site
www.sanctusrecordings.com.
Concorrência aumenta
Graças à parceria com a Movieplay, por exemplo, a Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) lançou no Brasil seu primeiro disco,
Sergei Prokofiev – Sinfonia nº 5 – O ano de 1941, com a regência de Marin
Alsop. O álbum já havia sido muito bem recebido do mercado externo, via selo
Naxos, de Hong Kong, e agora o ousado projeto da Osesp prevê a gravação
integral das sinfonias do compositor russo em mais discos, a serem lançados até
2016.
Na batalha pelo segmento, à Movieplay se juntam a Algol
Editora e a Paulinas Comep, de São Paulo; e a Biscoito Fino, do Rio de Janeiro.
“O mercado da música clássica no Brasil é pequeno”, avalia Heraldo Luiz Marin,
diretor da Algol Editora. “Mas ele é fiel e interessado.” Promotor do Prêmio
Carlos Gomes, cuja 15ª edição será realizada em 27 de agosto, no Teatro
Municipal de São Paulo, o empresário lembra que a crise na área é de mídia – o
formato físico do disco em si – e não de conteúdo.
“O futuro no setor será baixar músicas no computador, para
cada um montar o próprio disco. Estamos indo por aí”, afirma Heraldo, confiante
de que o interesse pelo conteúdo musical vá aumentar. “No Brasil, os livreiros
querem adquirir música a preços normais, como se fosse papel, mas na hora de
comercializá-la eles se negam a dar desconto ao consumidor”, lamenta Heraldo
Marin.
A estreia do empresário no setor ocorreu com o livro-CD Minhas
pobres canções, da soprano Nilza de Castro Tank, que, além de cantar, reúne as
partituras esquecidas de Carlos Gomes, que um dia chegou a classificar sua
produção do gênero como “minhas pobres canções”. Heraldo Marin lembra que, com
o advento das lojas virtuais de música, a tendência é o baratear o download
para evitar a pirataria. “Trata-se de um mercado em mudança de paradigma”,
repara o proprietário da Algol Editora.
REAÇÃO
Apesar da crise no setor fonográfico, as vendas nos formatos
físicos (CD, DVD e Blu-ray) voltaram a crescer no Brasil, segundo as
gravadoras, que faturaram mais de R$ 312 milhões em 2011. O crescimento
registrado foi de 7,6% em relação a 2010. Os valores corresponderam a um total
de 24.920.737 unidades de produtos de áudio e vídeo.
Produzir ou só distribuir, eis a questão
A assessoria de imprensa da Biscoito Fino esclarece que os
projetos de música clássica lançados pela gravadora são frutos de parcerias
comerciais, não de gravação ou captação. A empresa está lançando, por exemplo,
pequenas caixas do projeto Acervo russo, com gravações licenciadas de orquestras
russas. Outros selos não apenas distribuem, mas realizam gravações.
Bem mais antiga no mercado, a gravadora e também editora
musical Paulinas Comep, fundada em 1960, no Paraná, transferiu-se quatro anos
mais tarde para São Paulo, de onde distribui sua produção musical para as suas
cerca de 30 livrarias espalhadas pelo país.
Além de importar discos de música clássica para lançamento
por aqui, a Paulinas Comep também costuma gravar em estúdio. É o caso de álbuns
como Um toque feminino, da harpista Norma Holtzer Rodrigues e da pianista
Mariana Thais Secondo, que, segundo a produtora irmã Maria Luiza Ricciard,
transformou-se em sucesso de vendas da Paulinas, que tem títulos de música
sacra e aposta ainda no segmento erudito.
A pianista Eudóxia de Barros é presença constante nos
estúdios da Paulinas Comep. Assim como o também pianista Flavio Varani, que
gravou Cartas à posteridade, com a obra de Heitor Villa-Lobos. “Não se trata de
um grande mercado, se comparado ao de música popular, mas tem sempre quem aprecie
a música clássica”, repara irmã Maria Ricciard. A produtora lembra que não por
acaso espaços de concertos, como a Sala São Paulo, estão sempre com plateia
lotada. “Infelizmente, o grande público desconhece, porque o rádio, com
raríssimas exceções, não divulga a música clássica no Brasil”, lamenta irmã
Maria Ricciard.
Mercado brasileiro
73,5% do mercado é da música popular brasileira
25,2% ficam com produtos de artistas internacionais
1,3% é a fatia do bolo que cabe à música clássica
Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD),
referente às vendas em 2011
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