Pintura de Igor Stravinsky
A “Revolução Stravinskyana”
Manoel
Correa Lago
Com a apresentação de Pássaro de Fogo em Paris, em 1910,
Stravinsky tornou-se instantaneamente uma celebridade, apoiado pelas principais
personalidades da vanguarda musical francesa tais como Debussy, Ravel e Florent
Schimitt (1870 – 19580).
Em 1911, seguiu-se o trinfo de Petruskka em Paris e Londres. Naquela
ocasião, Debussy lhe escreveu: “E certo que você irá muito mais longe que Petrushka, mas você já pode ficar
orgulhoso do feito que esta obra representa”. Para esse sucesso contribuíram
também os cenários de Michel Fokine, e a extraordinária atuação dramática de
Nijinsky, sobre o qual Stravinsky escreveu: “Avaliar Nijinsky apenas sob o
ângulo da dana seria insuficiente, pois ele conseguia superar-se com ator
dramático, no papel de Petrushka, seu rosto (...) podia transforar-se na mais
poderosa máscara de ator que jamais vi e, no papel de Petrunshka, o ser humano
mais fascinante já visto no palco.”.
A concepção original da Sagração da Primavera antecede a
composição de Petrunshka, surgindo em 1920: “Em São Petersburgo, quando estava
terminando as últimas páginas de Pássaro
de Fogo (....) entrevi, na minha imaginação, o espetáculo de um grande rito
sagrado pagão, velhos sábios sentados em círculo, observando a dança, até a
morte por exaustão, de uma jovem que sacrificam, para tornar-lhes propício o
deus da primavera”. Apesar de Diaghilev ter se entusiasmado pela ideia, o
trabalho teve que ser adiado em virtude da realização de ouros projetos, como Petrunshka, (1911) e Daphinis et Chloé
de Ravel (1912). Diferentemente de Pássaro
de Fogo e Petrushka¸ compostos em
menos de um ano, passaram-se quase três anos entre a concepção inicial da Sagração e sua conclusão em 1913.
A estreia da Sagração, em 1913, é frequentemente comparada à tumultuosa estreia
de Hernani, peça de Victor Hugo que
marca o início do Romantismo na França. Seu fracasso, após o enorme sucesso em
Paris e em outras capitais europeias dos dois balés anteriores, represento um
verdadeiro anticlímax: contribuiu para isso, além da absoluta novidade da
música, a coreografia de Nijinsky, “o qual via o tema da Sagração como verdadeira expressão da própria alma da natureza
através das artes do movimento da música. Nele é representada a vida das pedras
e das árvores(...). Ele será dançado apenas pelo corpo de Balé “. Diferentemente
do conto de fadas do Pássaro de Fogo e
do drama pungente de Petrunshka,
tratava-se, portanto, de um balé no qual não havia enredo, composto de uma
secessão de quadros representado o desenrolar de uma cerimônia primitiva, sem
espaço para o brilho de solistas, com cenários e figurinos ambientados numa
Rússia pré-histórica, sem o apelo das produções de Alexandre Venois e Léon
Bakat, aos quais os Ballets Russes haviam
habituados o público parisiense. Stravinsky, grande admirador de Nijinsky como
interprete, que preferia a versão de Léonide Massine adotada pelos Ballets
Russes a partir de 1921, seria um crítico severo de Nijinsky como coreógrafo,
dizendo em suas Memórias e Comentários:
“Nijinsky acreditava numa coreografia coordenada em permanência com o tempo
musical(...). Na realidade, isto reduzia a dança à duplicação rítmica da música, fazendo dela
mera imitação. Tal como concebo, a coreografia, ainda que em suas proporções
derivem da música, deve realiza a sua própria forma, em contraponto a ela”.
O fracasso da estreia da Sagração, enquanto balé, seria
compensado pelo enorme sucesso em Paris, de sua apresentação em concerto como
obra puramente sinfônica, em 1914, sob regência de Pierre Maonteux.
A Sagração da Primavera é escrita para uma orquestra de proporções wagnerianas,
ainda maiores que a do Pássaro de Fogo e a Petrunshka: a seção dos metais
apresenta-se, por exemplo, com oito trompas, seis trompetes e duas tubas; nas
madeiras, ganham um relevo inusitado o fagote, o contrafagote e o clarinete
baixo, que conferem à obra um colorido inconfundível, por sua vez, as cordas apresentam-se
em numerosos divisi (chegando a seis
nos contrabaixos) Sua duração é de uma sinfonia clássica ou de um poema
sinfônico straussiano, subdividido em 12 quadros agrupados em duas grandes
seções. Diferentemente da análise (1949) de Alexandre Tansman, segundo o qual a
Sagração poderia ser vista com uma suíte, subdividida em doze seções em sua
maior parte em forma Lied ou rondó,
André Boucourechliev considera (1987) que “A Sagração da Primavera” desafia a
todas as ideias tradicionais de unidade orgânica, pela ausência de
desenvolvimentos e/ou recapitulações temáticas. Segundo ele, “a unidade de ‘A
Sagração da Primavera’, da qual qualquer ouvinte se da conta imediatamente, não
dever ser buscada nem nos esquemas formais conhecidos, nem em qualquer teoria
de organização formal, porém em características persistentes de estilo e técnica
que impregnam os elementos multifacetados e heterogêneos da obra” (Stravinsky,
1982).
O efeito da “Sagração” sobre os contemporâneos
de Stravinsky foi avassalador: Forent Schimitt, seu admirador, declarou que “só
lhe restava queimar tudo que gania composto até então” Para o Crítico Boris de Sholoezer,
“era necessário u retorno à natureza e esquecer o homem, ou pelo menos
reduzi-lo na a nada mais de que elemento da natureza primitiva, trata-lo como
uma pedra ou uma planta. O caráter rede da “Sagração” (...), sua brutalidade,
tudo que seria necessário, pois a questão era (...) a destruição de toda emoção
e fazer as próprias coisas agirem diretamente e por elas mesmas”. O compositor
italiano Alfredo Casella (1883 – 1947), também presente na estreia, deixaria a
seguinte a seguinte avaliação: ”A enorme importância regeneradora dessa música
fica, hoje, evidente Stravinsky reorientou europeia, de forma definitiva, em
direção a uma tendência antirretórica, despida de artifícios, de ornamentos
desnecessários, decididamente tonal, anti-impressionista e essencialmente
arquitetônica(....)”. Classificar essa obra como primitiva seria um grande vem:
Stravinsky da primeira dança da “Sagração” (“Angúrios Primaveris”) não mais
primitivo que Beethoven que escreveu o “finale” da terceira “Abertura” de
“Leonora”. Em sua autobiografia, Darius Milhhaud, assim
rememoraria a estreia da “Sagração”: “Não nos admiramos tanto a violência
rítmica quanto as dissonâncias Harmônicas e politonais, as quais, ainda que num
plano completamente diferente, Petrunshka já havia feito entrever. Mas com a
‘Sagração’, escapava-se da exterioridade do pitoresco e tomava-se um caminho ao
mesmo tempo bárbaro e dramático. Essa verdadeira ruptura na história da música
obrigou um grande número de músicos a uma reavaliação radial de suas próprias trajetórias(...).
Quanto à minha geração, ela se sentia profundamente estimulada por essa obra,
apesar de seu sentimento nitidamente russo, nisto distante das nossas
aspirações” J[a Debussy escreveria a Stravinsky “Nesta fase da vida em que
estou descendo a outra vertente da colina, mas conservando sempre uma paixão
intensa pela música, tenho especial satisfação em declarar o quanto você
estendeu as fronteiras do permissível no império dos sons”. E Villa-Lobos,
retornando ao Brasil em 1924 após a estada de um ano em Paris é assim descrito
em coluna de Manuel Bandeira: “Villa-Lobos chega de lá cheio de
Villa-Lobos(...). Todavia, uma coisa o abalou perigosamente: “ a ‘Sacre du
Printemps’ de Stravinsky: foi, confessou-me ele, a maior emoção musical de sua
vida”.
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