Não creio que tenha,
em toda minha vida, assistido um concerto pior do que ontem (02.01.12)
Ontem (02.10.12) tivemos um concerto
regido por João Carlos Martins na Ospa. No passado, Martins foi um grande
pianista, um excelente intérprete de Bach, mas depois uma série de acidentes e
circunstâncias fizeram com que ele perdesse o movimento das mãos. Hoje, aos 72
anos, Martins atua como uma espécie de André Rieu brasileiro, regendo música
ligeira e batucando lamentavelmente um piano com os três dedos que ainda lhe
atendem. Vê-lo tocando é triste tanto para os olhos como para os ouvidos, é
algo que busca despertar nossos sentimentos de pena, que toca muitas pessoas
facilmente suscetíveis a situações do tipo
ele-está-lutando-contra-a-adversidade ou e-mesmo-assim-ele-é-feliz. Não é
proibido e muita gente gosta, mas, na minha opinião, a vaidade de Martins é tão
grande que mesmo a exposição de suas deficiências como pianista serve a seu ego
sedento de espectadores. E ele encontrou um público que ouve seus discursos e
o aplaude, feliz. Não é mais arte, não é
mais música erudita, é a utilização de prestígio para tocar movimentos
sinfônicos ou nem isso. Ontem por exemplo, ele apresentou um retalho do Bolero
de Ravel, pois talvez lhe falte resistência física ou não sinta interesse do
público numa audição integral.
Antes de perder os movimentos das mãos, Martins teve uma
rumorosa passagem pela Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. O prefeito
era seu amigo Paulo Maluf. Atualmente, Martins é réu em um processo onde é
acusado de corrupção. Segundo o revista Veja
“Como empreiteiro dono
da Paubrasil, o pianista recolheu quase 20 milhões de dólares em caixa dois
para as campanhas de Maluf. As construtoras Paubrasil e Entersa, das quais
Martins era sócio, cometiam
fraudes contábeis
para esconder do Fisco o quanto faturavam e a maneira como empregavam seus
recursos. Desta forma, ficavam livres para financiar as campanhas do político.
Em 1993, ano em que Paulo Maluf assumia a prefeitura de São Paulo pela segunda
vez, a Receita Federal descobriu que a Paubrasil – empresa do pianista João
Carlos Martins – havia recebido doações clandestinas para as campanhas
eleitorais de Maluf nos anos 1990. A proprietária de um imóvel alugado pela
Paubrasil denunciou que ali funcionava uma confecção que fazia uniformes para a
empresa e também material de propaganda de Maluf. Em 2009, o caso de corrupção
rendeu-lhe uma condenação a dois anos e nove meses de prisão – período
substituído por pena restritiva de direitos – por crime contra a ordem
tributária. O maestro entrou com recurso e aguarda julgamento.”
A Ospa é uma orquestra pública, financiada pelos
contribuintes através de impostos, e penso que devemos considerar dois
aspectos. O primeiro é o artístico. A Ospa deve servir ao que der e vier?
Ontem, a exigência artística era tão rala que a orquestra entrou despreocupada,
sem a menor concentração, tocando mal obrinhas populares que tiraria
normalmente de letra, talvez irritada com a indulgência para consigo e para com
o público. Porém, observando as caras das pessoas que assistiam o concerto,
via-se um indiscutível encantamento de gente que normalmente não comparece aos
concertos. Isso é educar e formar público? Certamente NÃO. Uma experiência de
décadas nos diz que aquelas pessoas não irão aos concertos “sérios” e
transcendentes, onde serão tocadas obras completas do modo como foram
compostas. O público de ontem era formado basicamente por pessoas de mais de 40
anos que estavam com pena do pobre pianista com dificuldades. Na última
oportunidade em que esteve em Porto Alegre, Martins apresentou um curta
metragem com sua história artística e médica. Houve lágrimas na plateia… Era um
público de Hebe Camargo, não o da música. Como se comprova nos países onde a
música é mais desenvolvida, não é com concessões que se atinge a música
erudita, é com o acesso fácil a ela. Neste quesito, os casos da Venezuela e da
Inglaterra — eu escolho pegar como exemplos países bem diferentes — são
absolutamente exemplares.
Milton Ribeiro
http://www.sul21.com.br/blogs/miltonribeiro/author/miltonribeiro/
Um comentário:
Genial
Postar um comentário