Amor e
casamento, sentimento de solidão e busca constantemente frustrada de alguém que
preencha o vazio de sua vida: estes são, nos primeiros anos do século XIX,
problemas essenciais e secretamente tormentosos para Ludwig van Beethoven.
Nesse sentido, é muito significativo que a fidelidade conjugal seja o tema de
sua única ópera: Fidélio, composta nos anos de 1805 e 1806, na qual a esposa de
um prisioneiro político disfarça-se de homem para ter acesso à fortaleza onde
ele está encerrado e descobrir um meio de libertá-lo. Envolvimentos muitos
freqüentes e intensos, mas em geral também muito breves, sucedem-se
rapidamente, entre 1806 - época em que pareceu estar a ponto de pedir em
casamento a amiga Josephine von Deym - e os dez anos seguintes. Relacionamentos
saldados por fracassos, dos quais ele se consolava absorvendo-se no trabalho.
Em 1806,
mais ou menos na época em que sua amizade com Josephine entrava em uma fase de
esfriamento, Ludwig tentou aproximar-se da pianista Marie Bigot. Mas essa
oferta de amizade foi muito mal entendida pelo marido da artista, que viu nela
uma manobra de sedução. O episódio se encerrou com duas penosas cartas de
explicação e pedidos de desculpas enviados por Beethoven a seu amigo Bigot, que
conhecera como bibliotecário de um de seus protetores, o nobre russo Conde
Andrei Kirilovitch Rasumovsky.
Dois anos
mais tarde, Ludwig entusiasmou-se pela jovem Julie von Vering; mas nem chegou a
manifestar seus sentimentos, ao perceber que ela estava apaixonada por seu
amigo dos tempos de Bonn, Stephan von Breuning, com quem se casou em abril de
1808. (Julie morreria subitamente, aos 19 anos, em março do ano seguinte).
No outubro
de 1808, Ludwig aceitou hospedar-se nos alojamentos que lhe foram oferecidos
pela Condessa Anna Marie Erdödy, no nº 1074 da Krugerstrasse, no mesmo prédio
em que moravam os seus amigos Lichnowsky. Era enorme a confiança que depositava
nela como conselheira para assuntos pessoais e de negócios, a ponto de chamá-la
de Beichvater(padre confessor). E acredita-se que tenha existido algum tipo de
envolvimento amoroso entre ambos, porque, em 1809, numa daquelas suas reações
intempestivas bem típicas, Beethoven mudou-se para outro endereço, por
suspeitar que a Consessa Erdödy estivesse interessada em seu camareiro. O
mal-entendido viria a se desfazer mais tarde e, em 1815, ele dedicaria a essa
aristocrata de origem húngara suas duas Sonatas para Violoncelo, Opus 120.
Ainda em
1809, Ludwig cortejou a jovem Therese Malfatti, recorrendo aos bons empréstimos
de um amigo, o Barão Ignaz von Gleichenstein, para que pedisse a mão da moça a
seu pai, o médico Johann Mafatti. Mas não só a família se opôs ao casamento
como parece não ter havido indício de que o afeto de Ludwig fosse
correspondido. "Para ti, pobre B (Beethoven) - escreve o músico numa carta
da época endereçada a Von Gleichenstein -, não há felicidade no mundo exterior:
é em ti mesmo que deves procurá-la. Só no mundo ideal encontrarás amigos e é só
em teu próprio coração que deves, agora, procurar apoio."
Um novo
alento virá, em maio de 1810, com um namoro inconseqüente, que durou umas
poucas semanas, com Bettina Brentano (1785-1859), a irmã do escritor Clemens
Brentano. No ano seguinte, porém, ela se casaria com o poeta romântico Achim
von Arnim. Nessa época os dois futuros cunhados já eram célebres por terem
recolhido, entre 1806 e 1808, os tesouros da poesia popular, na coletânea Das
Knaben Wunderhorn (A Trompa Mágica da Infância), que, mais tarde, seria rica
fonte de inspiração para um compositor como Gustav Mahler. Um dos biógrafos de
Beethoven, o italiano Leonello Vinceni, descreveu Bettina como "uma mulher
ao mesmo tempo diabolicamente viva e inexplicavelmente preguiçosa, leal e cheia
de maldade, verdadeira e mentirosa, ingênua e maliciosa". Seu temperamento
irrequieto e volúvel - a ponto de, nos últimos anos de sua vida, ter
entusiasmado pelas teorias socialistas - não era de molde a permitir que fosse
estável o seu envolvimento com um homem de caráter forte como Beethoven. Mas
para o compositor o contato com ela teve considerável importância.
Foi Bettina
quem lhe ofereceu para ler essa grande meditação sobre liberdade que é a peça
Egmont de Goethe, para a qual, em junho de 1810, ele escreveria uma música de
cena. Foi ela também, de certa forma, a intermediária do primeiro encontro
entre o músico e o poeta, em julho de 1812, no balneário de Teplitz (atual
Teplice), na Boêmia. "Nunca vi um artista mais concentrado, mais
energético, mais profundo", escreveu Goethe, numa carta de 19 de julho à
sua mulher, Christiane Vulpius. "Compreendo bem porque a todo mundo ele
possa parecer excêntrico". E em 2 de setembro, Goethe comentava, em carta
ao compositor Carl Friedrich Zelter: "Em Teplitz, conheci Beethoven e seu
talento encheu-me de espanto. É claro que ele tem uma personalidade totalmente
indisciplinada e não está todo errado em achar o mundo detestável; mas isso não
o torna mais agradável nem para si mesmo nem para os outros. No entanto, há
nele muito o que desculpar e lamentar, pois está perdendo a audição, o que
talvez prejudique menos a parte musical do que a social de sua natureza, pois
esse defeito torna duplamente lacônico a quem já o é por natureza".
É de Bettina
Brentano, também, a autoria de um episódio que, por muito tempo, foi tido pelos
biógrafos como verdadeiro, pois se encontra narrado numa carta de Beethoven
endereçada a ela. Mas hoje se sabe que essa carta é falsa, tendo sido escrita
pela própria Bettina. O mínimo que se pode dizer dessa história, entretanto, é
que, se não é verdadeira, foi bem inventada, pois se adapta com perfeição ao
temperamento altivo e rebelde do compositor. De acordo com ela, passeando junto
com Goethe pelo parque de Teplitz, Beethoven teria cruzado a carruagem do casal
imperial, que também passava as férias nesse balneário. E, enquanto o poeta se
inclinava servilmente, o músico enterrava o chapéu na cabeça e continuava seu
caminho com arrogância, os braços atrás das costas.
Texto retirado do livro
da coleção "Clássica, A História dos Gênios da Música" - Beethoven
III, editora Nova Cultura., São Paulo, 1986, páginas 25, 26 e 27.
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