Caros leitores,
A partir dessa segunda feira, 08.10.12, iniciaremos a publicação de uma série de texto e artigos científicos ou não, relacionados a música e seu universo.
Por se tratar de textos longos publicaremos seus conteúdos em partes e em dias sucessivos.
Esperamos sinceramente que você aprecie o que ora apresentamos e que a iniciativa possa ser-lhe útil tanto academicamente quanto na formação pessoal.
Boa Leitura
Boa Leitura
A sagração da Primavera
por Manoel Correa Lago
A Sagração da Primavera Companhia Joffrey Ballet
Poucas obras tiveram, na historia da música, uma influência
tão marcante quanto a Sagração da Primavera. Assim como Les Demoiselles
d’Avignon de Picasso, inaugurando o Cubismo, a Sagração pertence a essa
categoria de obras que define o perfil de uma época: ela está para o Modernismo
do século XX como a Eroica está para
o Romantismo do século XIX, trazendo a tona uma sensibilidade nova e abrindo
perspectivas, antes insuspeitadas, de expressão.
Passados quase cem anos da tumultuada estreia em Paris, com
cenários de Nikolai Roerich (1874-1947) e uma coreografia particularmente
ousada de Vaslav Nijinsky (1889-1950), na qual o público do Theéàtre des
Champs-Elysées, cindido em dois campos hostis, agrupando extremos com
Sant-Saëns e Debussy, A manifestação do público impedia que os próprios dançarinos conseguissem
ouvir a orquestra. Mesmo assim a Sagração tornou-se um clássico e conserva
inalterada juventude, seja apresentada como balé, nas reinterpretações de
Massine, Martha Graham e Maurice Béjart, seja na sala de concerto como peça
sinfônica independente.
Stravinsky e
Diaghilev
Igor Stravinsky (1882 – 1971),
que com seu polo oposto, o austríaco Arnold Schöenberg (1894 -1951), definira
os rumos da música no século XX, foi uma descoberta arriscada e quase acidental
de Sergei Diaghilev (1872 -1929): diferentemente de seus contemporâneos
Scriabin, Rachmaninov e Prokofiev, todos com formação no Conservatório de São
Petersburgo e excepcionais instrumentistas, Stravinsky era um aluno particular
de Rinsky-Dorsakov (1844-1908), o qual o estimula e apreciava sem, entretanto,
coloca-lo acima de outros alunos seus, como o Maximilian Glazunov. Em 1909,
quando Diaghilev o convidou para escrever O
Pássaro de Fogo, após a desistência de Anatl Liadov, as obras de Stravinsky
que ele havia ouvido ate então eram seus Opus 3 e 4, Scherzo Fantástico e Fogos de
Artifícios, composições que, à primeira vista, não prenunciavam mais do que
um bom discípulo de Rinsky. Inserido na tradição nacionalista russa do Grupo
dos Cinco com alguma influência de música moderna francesa, a de Paul Dukas
mais visível que a de Debussy, e como os atributos de uma escrita musical clara
aliada a uma técnica consumada de orquestração.
No ano anterior, Diaghiliev havia
organizado em Paris espetáculos dedicados à música russa, que, pela qualidade
de repertório e pela revelação de intérpretes extraordinários (desde Chaliapine
a dançarinos como Karsavina, Pavlova e, sobretudo, Nijinsky) haviam sido a
sensação da temporada 908-09. O público francês descobriu que a Rússia, sob
mestres como Marius Petipa e Enrico Ceccheti, havia desenvolvido uma escola de
dança incomparável quanto à técnica, à imaginação coreográfica e ao esplendor
cênico e, ao mesmo tempo, havia transformado a música de balé, notadamente com
as obras de Tchaikovsky (A Bela
Adormecida) e Rinsky-Korsakov (Shehézade), num gênero alternativo aos da
sinfonia e do poema sinfônico, com uma qualidade musical que lhe conferia, em
relação ao suporte cênico, uma autonomia não encontrada em seus equivalentes
ocidentais, tais como Gisele de Adolphe Adam ou Coppélia de Delibes.
As três grandes obras que
Diaghilev encomenda a Stravinsky entre 1910 e 1913, Pássaro de Fogo, Petrushka e A Sagração da Primavera,
independentemente da sua importância na história do balé, apresentam essa
autonomia, tendo se tornado marcos na música sinfônica do século XX, impulsionando
um gênero novo que se tornaria particularmente fecundo nas primeiras décadas do
século, e ilustrado por obras como Daphnnis
et Choé de Ravel. O Mandarim
Maravilhoso de Bela Bartók, A Criação
do Mundo de Milhaud, Les Biches
de Poulanc, Romeu e Julieta de
Prokofiev e, entre nós, Uirapuru e Amazonas de Villa-Lobos (1887-1959).
(continua)
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