Coragem é para poucos num país de gente acostumada a levar
vantagem. O escritor Fabrício Capinejar provou ser um desses poucos ao publicar
uma carta aberta aos organizadores da 27ª Feira do Livro de Bento Gonçalves, no
Rio Grande do Sul, cancelando sua participação no evento. O motivo foi a
divulgação da notícia de que o patrono da feira deste ano, o rapper Gabriel, o
Pensador, receberia um cachê de R$ 170 mil para participar. Para Capinejar, o
anúncio do pagamento ao músico (que diz admirar) é “uma afronta às vésperas de
pleito eleitoral”. “Literatura não deve ser feita para atrair público, e sim,
para formar público”, ressalta o escritor gaúcho, alertando que com o valor do
cachê cobrado pelo rapper seria possível abrir bibliotecas ou mesmo realizar
outras feiras literárias.
Sua atitude aponta o equívoco que geralmente é praticado
pelos organizadores de eventos literários no país. Em vez de privilegiar as
escolas, criando condições para que estudantes de todas as idades tenham acesso
aos livros e seus respectivos autores, as bienais, festas e feiras acabam
aderindo à cultura do espetáculo. Uma coisa é promover um evento que vise
realmente à formação de leitores, estimulando, sobretudo, crianças e jovens a
descobrirem as maravilhas da literatura. Outra é realizar algo meramente
comercial e espetacular, repleto de estrelas midiáticas pagas a peso de ouro.
Claro que os participantes de eventos literários devem ser
devidamente remunerados, pois o escritor também tem contas a pagar e jamais
deveria trabalhar de graça. Mas há que se obedecer a certa lógica, sem
discriminar esse ou aquele convidado com cachês abaixo ou muito acima da média.
Contudo, é notória a preferência pelos “famosos” ou queridinhos da mídia,
justamente pelo fato de atraírem público.
Sutil conspiração
No ensaio La civilización del espectáculo(Alfaguara), o
prêmio Nobel Mario Vargas Llosa alerta para os riscos que corremos hoje: “Como
no hay manera de saber qué cosa es cultura, todo lo es y ya nada lo es”. Nesse
sentido, aqueles que se encarregam de organizar eventos literários deveriam
levar em conta a natureza do livro e da própria literatura.
Numa sociedade que cultua o entretenimento, o hábito da
leitura deveria se destacar justamente por contrariar a cultura do espetáculo.
Literatura requer recolhimento, tanto para ser produzida quanto para ser
consumida. Portanto, não pode ser considerada igual ao cinema, ao teatro ou aos
shows musicais, embora esteja na raiz dessas artes.
Em entrevista ao jornal espanhol El País, Vargas Llosa
reclama que se sente indefeso frente a uma sutil conspiração. Para ele, a
cultura do espetáculo está anestesiando os intelectuais e desarmando o
jornalismo, criando na política um espaço onde ganham terreno o cinismo e a
tolerância com a corrupção.
Livro e leitura dialogam com educação
Por tudo isso, ao se recusar a participar de um dos eventos
literários mais importantes do país, Fabrício Capinejar nos alerta para o risco
de promover o livro e a leitura por um viés equivocado. Uma política séria de
divulgação da literatura e de promoção da leitura deveria optar pela qualidade
e não pela quantidade de público.
O problema é que geralmente as bienais, festas e feiras
literárias são realizadas com recursos de leis de incentivo à cultura. Como
esses recursos advêm de patrocinadores mediante a renúncia fiscal, estes
desejam que o evento que conta com sua chancela seja coroado de sucesso. Nesse
caso, sucesso significa exibir a marca ao maior número possível de
consumidores.
A política de estímulo ao livro e à leitura deveria ser obra
dos governos, sobretudo federal, mesmo sem dispensar o apoio da iniciativa
privada. Esse tipo de iniciativa não pode ficar refém das leis de incentivo,
que funcionam bem no que diz respeito ao entretenimento e ao espetáculo.
Afinal, livro e leitura dialogam diretamente com educação, obrigação do Estado
garantida pela Constituição Federal.
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