Apesar de
ter ainda muito jovem aprendido a tocar violino, era no piano que Schubert
encontrava seu verdadeiro refúgio
“Nossos
pianistas não têm ideia dos belos tesouros que contêm as composições de
Schubert para piano. A maioria dos executantes as examina ‘en passant’ e,
observando aqui e ali repetições, passagens longas e outros detalhes que
atribuem levianamente a uma falta de cuidado do compositor, deixam as
partituras imediatamente de lado. Como um pássaro no ar, Schubert viveu na
música e cantou as canções mais celestiais.”
Estes
comentários de Liszt refletem a profunda admiração que o genial músico húngaro
dedicava às obras para piano de Schubert, numa época em que estas eram ainda
quase totalmente desconhecidas.
Apesar de
ter ainda muito jovem aprendido a tocar violino, era no piano que Schubert
encontrava seu verdadeiro refúgio. O piano foi utilizado pelo mestre austríaco
em mais da metade das composições que compõem seu vasto catálogo musical, tanto
na elaboração de obras solo, como também como ativo instrumento colaborador nas
numerosas canções e diversas peças camerísticas.
Encontramos
na extensa produção pianística de Schubert as principais características de seu
gênio criador, que se traduzem musicalmente em obras alentadas, de um
romantismo interiorizado, tom de confidência e envolvente fantasia.
A
fecundidade de Schubert é verdadeiramente prodigiosa. Tendo vivido somente 31
anos, deixou mais de 600 canções, quase 20 óperas e cenas musicais, numerosas
obras camerísticas, entre as quais vinte quartetos de cordas e dois quintetos,
um dos quais com piano, oito sinfonias, um octeto, missas, oratórios e peças
sacras, além de uma gigantesca obra para piano solo e para piano a quatro mãos.
Assim como
Mozart, Schubert compunha com espantosa facilidade. A espontaneidade é sua
maior virtude: idéias musicais que se encadeiam muito naturalmente, de modo
perfeito, puro e às vezes até mesmo ingênuo. Entretanto, convivem ao lado dessa
beleza aparentemente inocente e simples diversos elementos de expressão trágica
e de alta dramaticidade.
A produção
de Schubert para piano solo pode ser dividida em três grupos distintos de
obras: as sonatas, a Grande fantasia e o grupo de improvisos, momentos
musicais, variações e peças diversas.
As sonatas
representam uma significativa parte da criação schubertiana para piano. Das 22
obras relacionadas por Erich Deutsch (1883-1967) no catálogo que elaborou das
obras de Schubert, somente 11 estão completas (alguns movimentos não foram
localizados e o compositor não concluiu diversos manuscritos). As sonatas
contêm movimentos de suprema beleza, nos quais se evidencia a fertilidade de
ideias do autor, assim como modulações de rara felicidade e um tratamento
harmônico surpreendente. Na abordagem da forma Sonata, Schubert encontra
frequentemente dificuldade em conter a torrente de temas que povoam sua
imaginação, o que resulta muitas vezes em obras desproporcionais, compostas de
“mosaicos” e poucas vezes completamente satisfatórias no conjunto, devido à
falta de concisão.
Muitos
autores enalteceram em Schubert “a divina extensão” de suas alentadas
composições; entretanto, é preciso ressaltar que a “pequena” Sonata em lá maior
D 664 não poderia ser mais compacta em seu três movimentos e, do mesmo modo, o
primeiro movimento da Sonata em lá menor D 845 é uma das mais integradas
estruturas de sonata de toda a história da música.
Do ciclo das
sonatas, destacam-se especialmente as três últimas obras, escritas em 1828, ano
da morte do compositor. Schubert atinge o ponto máximo de seu ciclo de sonatas
com a Sonata em si bemol maior D 960, um dos marcos da literatura pianística de
todos os tempos.
Amaral Vieira
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