Perfis falsos em redes sociais, acusações de
desvalorização do artista brasileiro, suspeitas de sabotagem, abaixo-assinados
- não estiveram livres de polêmicas os primeiros dez meses de John Neschling
como diretor artístico do Teatro Municipal. Na entrevista a seguir ao Estado, concedida
ao lado do diretor geral da fundação, José Luiz Herencia - para quem as
críticas internas "são facilmente localizadas e não representam o apoio
que a nova gestão tem recebido de artistas e funcionários excepcionais" -,
o maestro atribuiu as polêmicas à resistência de algumas pessoas à
profissionalização do Municipal.
MUDANÇAS
NA ORQUESTRA
"Nos últimos dez meses de trabalho, observei a
orquestra sem tomar atitudes. Depois, chamei os músicos para que eles
assumissem a responsabilidade pelo futuro do grupo. Chamei os líderes de naipe
e, depois, seus integrantes, individualmente. E, juntos, decidimos se havia
alguns poucos elementos que precisariam ser substituídos. Todas as decisões
foram tomadas em
conjunto. Os nomes dos nove músicos que serão afastados no
final do ano, ao fim do contrato, foram discutidos pelos colegas. Não podemos
ter ninguém mais ou menos tocando. E a orquestra, em um gesto de coragem e
maturidade, refletiu e chegou à conclusão de que era preciso mudar. Este é um
movimento único, não será refeito daqui a um, dois anos. E os músicos que forem
afastados, assim como os que atuam como convidados, podem se preparar e fazer
testes para voltar à orquestra."
UNIÃO
DO CORAL LÍRICO COM O CORAL PAULISTANO
"A sugestão de união dos coros tem recebido
duas críticas. A primeira é histórica, pelo fato de ele ter sido criado por
Mário de Andrade para valorizar a música brasileira. Mas o Coral Paulistano não
tem se empenhado, nos últimos anos, a fazer isso. O historicismo puro e simples
é algo calcificado e, se você se prende a ele, vira estátua de sal. Eu não
tenho nada contra a música brasileira, muito pelo contrário. O que não dá é
manter um coro de 38 pessoas em um teatro de ópera, fazendo concertos que nada
têm a ver com a vocação do Municipal. Isso não é viável. Não estou acabando com
uma entidade que marca a cidade de modo indelével, não estou agredindo a música
brasileira. Aliás, não estou acabando com nada, estou propondo a união dos dois
coros, o que levará a novas possibilidades. E posso garantir que, nessa junção,
não haverá demissões."
RESISTÊNCIAS
"Fomos chamados, eu e Herencia, pelo prefeito
e pelo secretário de Cultura para assumir um teatro que, na nossa opinião, não
ia tão bem assim. Para modernizar o Municipal, estamos enfrentando um status
quo de 100, 50, 25 anos. É uma situação entranhada, e qualquer mudança,
artística, administrativa ou financeira, cria antagonismos de pessoas que
estavam felizes com o jeito como as coisas estavam. A mudança foi um desejo de
governo, não meu. Tudo o que fazemos é confrontado com uma quase histeria.
Independentemente do que propomos, são contra. Estamos certos do que queremos,
mas seria bom não ter que enfrentar o descontrole de oposições sem cara e sem
fundamento."
DESVALORIZAÇÃO
DOS ARTISTAS
BRASILEIROS
"Pretendo deixar o Municipal funcionando como
um teatro moderno, sem xenofobias, sem chauvinismos, sem funcionalismos que
atrapalham, sem perrengues internos. Para isso, a gente mexe em tudo, não é só
no coro, na orquestra, na parte técnica. E estamos encontrando em todos esses
departamentos pequenos quistos de resistência. Eles estão aí há 50 anos e vão
ficar mais 50 se não fizermos a opção hoje de mudar e transformar o teatro.
Agora, na nossa próxima produção, com Cavalleria Rusticana e Jupyra, que, aliás, é de um compositor
brasileiro, Francisco Braga, há apenas dois artistas de fora, duas sopranos,
porque as duas brasileiras que eu havia chamado desistiram. Não há nada contra
os artistas nacionais. O que há é o desejo de dar ao Municipal um departamento
artístico de nível internacional, aberto, cosmopolita, interessado, que
agregue, chame pessoas de fora. A oposição vem de pessoas que se sentem
incomodadas com essa nova estrutura. Mas o governo quer fazer, e acredito que
estamos, sim, no caminho certo. A história vai dizer."
SUBSTITUIÇÕES NA ÁREA
TÉCNICA
"O teatro estava desequipado - e também no que diz respeito a pessoal. Tem gente muito boa, mas também tinha gente que não trabalhava, vinha uma vez por semana e pronto. O Municipal precisa criar uma estrutura técnica, não pode continuar a fazer o que era feito em outras gestões, como entregar toda a produção de uma ópera a um produtor externo. Não havia departamento de figuração, de figurinos, equipamento de iluminação, assistentes de direção, pianistas ensaiadores. Faltava o básico para o funcionamento de um teatro de ópera que pretende fazer 95 récitas no ano que vem."
"O teatro estava desequipado - e também no que diz respeito a pessoal. Tem gente muito boa, mas também tinha gente que não trabalhava, vinha uma vez por semana e pronto. O Municipal precisa criar uma estrutura técnica, não pode continuar a fazer o que era feito em outras gestões, como entregar toda a produção de uma ópera a um produtor externo. Não havia departamento de figuração, de figurinos, equipamento de iluminação, assistentes de direção, pianistas ensaiadores. Faltava o básico para o funcionamento de um teatro de ópera que pretende fazer 95 récitas no ano que vem."
CONTRATOS
"Chega dessa história de 'deixa como está para
ver como fica'. Quando assumimos, as pessoas reclamavam que tinham contratos
frágeis de trabalho. A partir de janeiro, todos serão contratados por CLT. E,
agora, alguns artistas e técnicos nos procuram com medo de demissão. O que
acontece é justamente o contrário! É mais fácil demitir eles agora, uma vez que
os contratos são temporários, frágeis. Na maior parte dos casos, não seria nem
demissão, bastaria não renovar contratos. Além disso, a partir de janeiro,
todos passam a ter direitos trabalhistas, férias, décimo terceiro salário.
Agora, com isso, uma pequena parcela começa a nos atacar, com medo da exigência
de qualidade, da assiduidade. E querem desconstruir o projeto."
http://www.estadao.com.br em 04.10.14
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