Ficar velho
é uma droga! Não porque você perde o desempenho sexual, o charme de
conquistador, vista fica embaçada e quando vai jogar futebol com os amigos, é
como diz o ex-jogador Júnior, o Leovegildo: é preciso jogar de relógio pra não
perder o tempo da bola. Não é por nada disso. Essas coisas a gente tira de
letra.
O chato
mesmo de ficar velho é ver os nossos ídolos virarem massa de pastel. Sim. Meus
ídolos, os ídolos da minha geração viraram massa de pastel. E é de pastelão de
rodoviária, daqueles embrejados de gordura. Pensando bem, os ídolos deveriam
morrer jovens. Todos morrendo jovens, assim como Castro Alves, Rimbaud, James
Dean e Garcia Lorca. Para não dar tempo de desfazer o que fez. Para não virar
massa de pastel diante de seus admiradores.
Ou então
quando a gente (nós admiradores) ficasse velho perdesse a capacidade de ter
ídolos. Quem é seu ídolo? Olha, acho que já tive. Mas não me lembro. Porque os
ídolos quando envelhecem viram uma droga. E a gente que ficou velho perde o
direito à idolatria.
Porque estou
dizendo isso? Porque estou vendo os ídolos de minha geração, Caetano, Chico e
Milton fazerem coro com o retrógrado Roberto Carlos em defesa de uma das coisas
mais nojentas das ditaduras. Sejam elas esclarecidas ou disfarçadas. Uma das
coisas mais nojentas das ditaduras é a censura. A imposição de barreiras para a
circulação de ideias, de opiniões e de obras culturais.
Querem
porque querem a manutenção dos famigerados artigos 20 e 21 do Código Civil
Brasileiro, que embarca num viés autoritário de só permitir biografias
autorizadas. Biografia autorizada é adulação, puxa-saquismo, hagiografia
(técnica de descrever vida de santos). Temos a lei mais ditatorial das nações
ditas democráticas sobre o tema. Somos campeões de muita coisa ruim. Essa é mais
uma de nossas mazelas. Nos outros países se uma pessoa fez por merecer o rótulo
de “pessoa pública” ninguém precisa de autorização para escrever a biografia
dela. Claro, desde que o biógrafo se apóie em fatos e as informações sejam
obtidas por meios lícitos. No Brasil, biografia só com autorização e aprovação
final pelo biografado ou representante legal. E meus ídolos querem defender a
consolidação dessa infâmia.
Já faz algum
tempo que José Guilherme Merquior chamou Caetano de “pseudo-intelectual de miolo
mole”. Tomei o partido de Caetano. Onde já se viu? Como pode ser de miolo mole
um sujeito que fez o que fez? Liderou o movimento da Tropicália. Que tomou
posições vigorosas em favor da redemocratização do País. Como pode ser
pseudo-intelectual? E pior que isso: de miolo mole? Francamente. Guilherme
Merquior é que é (ou era) um cara ressentido e reaça. Isto sim.
Mas hoje sou
obrigado a dar a mão à palmatória. Merquior tinha razões. Ainda que
premonitórias. Porque o meu ídolo (parece que ele é que lidera os outros) tomar
uma posição dessas só pode mesmo é estar com o miolo mole. Defender a censura
às biografias, quando somos um país pobre culturalmente e indigente em
biografias. As biografias que existem no País são quase que totalmente
adulatórias. As que não são, ou estão recolhidas, ou autor está com processo
nas costas. Quando não as duas coisas, como no caso do escritor Alaor Barbosa
que escreveu uma biografia de Guimarães Rosa. O livro além de recolhido, Alaor
está gastando os tufos para responder na justiça. E olhe que Guimarães é seu
escritor de cabeceira. Só queria elucidação baseado em fatos reais e obtidos
por meios lícitos (e nunca destorcer) a vida de nosso Joyce.
Ademais,
biografias são veículos poderosos de divulgação cultural. Sem elas, os grandes
vultos de uma geração morrem na geração seguinte. Nossos ídolos têm instintos
suicidas. Suicídio historicamente falando. Ou no mínimo obscurantistas. Até
você Chico? Até você Milton? Não. Devo estar “ouvindo coisas”. Ou já estou
caduco. Mas isso não pode ser.
E ainda vejo
nos jornais que quem diz o que é para Caetano dizer é sua mulher (ou seria
ex?), a Paula Lavigne. Se for mulher, a coisa vai muito mal. Agora se for
ex?... Meu amigo, nossa geração se atolou de vez no pântano da história!
Edival Lourenço
Revista Bula
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