O termo
“periferia” já passou por muitas mudanças, envolvendo desde a academia, a
política e as artes. A definição de periferia foi usada primeiramente pelos
intelectuais universitários, sendo tomada e ressignificada pela cultura musical
e, por fim, foi levada para o cinema. Além disso, pesquisa realizada na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) pelo cientista social
Tiarajú Pablo D’Andrea, busca entender o papel e a importância dos coletivos
artísticos, assim como o conceito de sujeito periférico.
Viver na
chamada periferia e presenciar as mudanças ocorridas estimulou o cientista a
iniciar sua pesquisa cujo objetivo, segundo ele, é “entender alguns processos
sociais ocorridos nas periferias paulistanas nos últimos vinte anos, as disputas
entre distintos agentes sociais com relação ao termo periferia, a importância
da produção artística destes locais e a constituição do orgulho periférico que
veio a redundar no sujeito periférico”. O resultado foi a tese de doutorado A
Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São
Paulo.
O uso do
termo
Primeiramente,
o estudo buscou entender o termo periferia e o que estava por trás dele. “De
acordo com a tese, de mais ou menos 1960 até 1993, a academia possuía a
preponderância da explicação do fenômeno periferia. Eram intelectuais de
distintas áreas como sociologia, antropologia, geografia, economia, história e
urbanismo que conflitavam entre si para obter a explicação mais aceita, mas
tudo se passava dentro das formulações da academia”, explica. A mudança
aconteceu em 1993 com o lançamento do álbum Raio-X Brasil, do grupo de rap
Racionais MC’s. Com isso, a preponderância passa para os moradores desses
bairros periféricos, assim a expressão da periferia fica a cargo da arte e não
mais apenas pela via científica. O impacto causado pela produção artística foi
capaz mudar a forma de pensar e enxergar a periferia.
“A
preponderância periférica sobre o fenômeno periferia durou mais ou menos até o
ano de 2002, quando o lançamento do filme Cidade de Deus fez com que a
Indústria do Entretenimento passasse a possuir a preponderância das
representações sobre o que seja a periferia”, relata. O filme abre as portas
para novas produções cinematográficas e televisivas sobre o tema. Ou seja, a partir
de 2002 a produção sobre a periferia encontra concorrência na Indústria do
Entretenimento.
Nos anos
1990, o uso do termo periferia tomou forma política por seus moradores e foi
popularizado. O início do uso se deu pelo movimento hip-hop, sendo adotado
depois por outras expressões artísticas e culturais, como nas rodas de samba,
saraus, cineclubes, grupos de teatro, etc. “O termo tinha um caráter de
denúncia, pois mostrava à sociedade a realidade ou a verdade, criticando com
isso o pensamento hegemônico neoliberal de princípios dos 1990 que pregava o
“fim da história” ou o “fim das classes”, explica D’Andrea. A denúncia, como
crítica ao pensamento hegemônico, mostrava majoritariamente dois aspectos: a
violência e a pobreza. Segundo o pesquisador, a afirmação por meio desses
aspectos significava pautar um processo de superação deles. Desta forma, a
periferia continha e negava a violência e a pobreza. “Hoje o significado do
termo periferia foi alargado, sendo que o mesmo se entende contendo em seu âmago,
pelo menos, quatro significados: violência, pobreza, cultura e potência”,
conclui.
A arte na
periferia
Também foram
estudados os possíveis motivos para o grande aumento de atividades artísticas
na periferia nos últimos 20 anos. Para esse fenômeno há várias explicações.
Segundo o pesquisador, a arte foi usada como pacificação, como uma saída para a
espiral de violência da década de 1990. Na mesma linha, a produção artística
também foi usada como sobrevivência material, ou seja, o ganho de renda por
meio da arte era uma alternativa entre a exploração capitalista e as atividades
ilícitas. Os coletivos artísticos também estavam ligados à participação
política e eram procurados por aqueles que desejavam o engajamento com essas
questões. Mais uma motivação para a produção artística é a emancipação humana,
isto é, a arte era usada de modo a contribuir para a humanização dos moradores
de áreas periféricas.
A soma
desses fatores levou a uma explosão de coletivos artísticos. A contribuição
desses coletivos foi essencial no sentido de criar um certo orgulho de se morar
na periferia e a identificação com o pertencimento à periferia. “O sujeito
periférico é aquele que por meio da percepção de sua condição e da superação do
estigma age politicamente pra transformar a sua realidade, seja incidindo nas
condições de moradia, por melhores condições de saúde, de educação, de
transporte e de cultura”, explica.
Além disso,
o pesquisador pôde detectar diversos outros fenômenos nas regiões periféricas
da cidade, como o surgimento do PCC, o aumento no número de evangélicos, o
crescimento da presença de Organizações Não Governamentais (ONGs), o aumento da
presença estatal, o Lulismo como forma de governo e uma construção da história
da periferia, assim como um orgulho de viver na região. O estudo busca
compreender melhor aspectos da periferia e assim dar respaldo para promover
transformações no local.
Mais
informações: email tiaraju.dandrea@usp.br
Agência Usp.
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