Programação
começa a diferenciar composição de arranjo, uma vitória depois de anos
Os números são grandiloquentes e a listagem dos
solistas e regentes convidados está recheada de nomes rebrilhantes. Mas isso
não constitui novidade. Há muito que comemorar na temporada 2014 da Osesp, mas
por outros motivos. Em primeiro lugar, depois de anos, começa-se a dar os nomes
certos às coisas. Boi é boi, cavalo é cavalo. Portanto, arranjo é arranjo,
composição é composição. Assim, por exemplo, para comemorar o centenário de
nascimento de Dorival Caymmi, a Osesp agora diz expressamente no material de divulgação
que encomendou “um arranjo a Dori Caymmi para obra de Dorival Caymmi”, e não
uma composição. E, além disso, encomendou obras a cinco compositores
brasileiros. A balança começa a pender para o lado certo: três deles praticam e
vivem profissionalmente da chamada música de invenção (Alexandre Lunsqui,
Ronaldo Miranda e Celso Loureiro Chaves). Egberto Gismonti e Sérgio Assad
preenchem de modo digno a cota de encomendas.
Mas ainda há desacertos. Lunsqui e Celso Chaves,
por exemplo, escreverão respectivamente para coro e grupo de câmara, e piano e
quarteto de cordas. Perdem eles uma rara chance de compor para orquestra; perde
o público; perde a Osesp uma chance de abrir espaço para criadores brasileiros
mais jovens. Miranda, único escalado para compor para orquestra, já é um
veterano. Desnecessário, claro, é investir numa encomenda de um concerto para
saxofone e orquestra a John Adams em parceria com Baltimore, Sidney e a
Universidade Northwestern. Adams não precisa disso; e a Osesp deveria investir
em compositores brasileiros – e não num nome consagrado como Adams. Não há
nenhum mérito no que a Osesp chama orgulhosamente de “encomenda internacional”.
Marin Alsop rege 13 programas, praticamente um
terço dos 37 concertos que compõem a temporada. Continua na média dos anos
anteriores. Os compositores - visitante James MacMillan e transversal Leonard
Bernstein - atendem a preferências do regente Celso Antunes e de Marin,
respectivamente. Pelo andar da carruagem, Lenny, aliás, corre o risco de se
transformar no compositor mais executado pela Osesp nos últimos anos.
Entre os solistas e regentes convidados para
2014, algumas surpresas muito bem-vindas. O pianista norte-americano Jeremy
Denk (um raro músico que sabe pensar seu ofício com rigor, além de tocar muito
bem, como o excepcional Stephen Hough); e a pianista Ursula Oppens (bastante
familiarizada com a música contemporânea). Entre os regentes, Marcelo
Lehninger, que, devidamente ungido pelo sucesso em Boston, só agora passa a
frequentar mais o pódio da Sala São Paulo; e Andrew Manze, que pode ser a
grande surpresa da temporada 2014 no reino das batutas.
Mas nem tudo são flores. O conceito de
residência continua anêmico: só quatro programas para MacMillan, outros quatro
para o pianista Bavouzet. Não é necessária tanta comemoração em torno da
"integral da obra para piano e orquestra" de Stravinsky, que afinal
cabe inteira em apenas um CD.
Devem todos na Sala São Paulo, por último,
brindar com “flûtes” de champanhe a carona da Osesp nos 70 anos de Nelson
Freire e nos dois CDs de estreia da orquestra no ilustríssimo selo Decca.
João Marcos
Coelho - O Estado de S.
Paulo
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