Você conhece Bernardo Martorell e Jaime Huguet? Se já viajou
pela Espanha – ou mora no país -, talvez. Caso contrário, os dois artistas são
exemplos de como a história da arte grava alguns nomes na memória e relega
outros ao esquecimento. Ambos os artistas são exemplo da mais refinada arte
catalã e base da arte espanhola nos séculos seguintes.
Martorell e Huguet pertencem a um período de transição da
arte europeia. A Idade Média encontra-se em seus dias finais, devido à crise
social e econômica que havia se estabelecido. As guildas ou oficinas
estabelecidas nessa época permanecem em atividade, atraindo uma classe burguesa
em ascensão que não se sente representada pelas artes das catedrais e passa a
investir em artistas para que produzam trabalhos mais refinados e pessoais. A
figura do artista como ser criador e iluminado - e não mais um artesão mecânico
– ganha espaço. E, incentivados, esses artistas passam a viajar pela Europa,
descobrindo novas estéticas e criando novos estilos.
Bernardo Martorell (San Celoni, Espanha, 1400 – Barcelona,
Espanha, 1452) foi pintor de retábulos e miniaturista de obras ricamente
detalhadas no estilo gótico internacional. Era reconhecido por suas composições
dinâmicas e narrativas dramáticas. Sobre sua vida pouquíssimo se sabe. Jovem,
chegou a Barcelona, onde se tornou aluno do pintor Luis Borrassá, e também
trabalhou como ilustrador de manuscritos.
O gótico internacional é o resultado a da união do
franco-gótico e o trecento italiano. A principal característica do gótico
internacional é a estilização das formas humanas e da paisagem, além do uso da
cor como elemento decorativo e a utilização intensiva do dourado. O
planejamento das vestes e a riqueza dos detalhes marcam também este estilo. As
figuras tendem a ser representada de modo naturalista, mas repletas de
elementos simbólicos. Os artistas tinham total domínio da técnica da
perspectiva de modelagem.
Com o amadurecimento de sua técnica, Martorell criou seu
próprio atelier, onde passou a produzir prioritariamente arte sacra decorativa.
Seus trabalhos iam de vitrais a flâmulas e brasões de ricas famílias, mas a
maioria de suas obras eram retábulos. Devido a sua produção estar ligada ao
atelier, poucas obras são atribuídas apenas a Bernardo: o retábulo de São Pedro
de Pubol, de 1437, e a Anunciação.
Devoto de São Jorge, a obra mais famosa de Martorell é o
Retábulo de São Jorge (1430-1435), formado por cinco painéis que contam a
história do santo, retirada do livro Lenda áurea, de 1275. Nessa obra é
possível perceber o domínio do artista em sua técnica e estilo - em questões
como a representação da luz, o uso da narrativa e a dramaticidade. Os rostos
possuem feições expressivas e Martorell dá os primeiros passos para o
desenvolvimento do senso de movimento na pintura.
Bernardo sabia utilizar as cores vivas de maneira complexa,
buscando-as para conferir vida e luz a cada pintura. Também soube beber da
influência bizantina com o uso do ouro nas auréolas e na própria organização do
quadro. A composição, riqueza de cores e detalhes demonstram o grau de
desenvolvimento do artista, que trouxe elementos e técnicas que não estavam
presentes na arte catalã.
O estilo de Martorell é diferente do de outros artistas da
Catalunha devido à sua familiaridade com a arte flamenca em ascensão e com a
própria arte italiana de Pisanello, Sassetta e Gentile da Fabriano. Assim,
Martorell simboliza o elemento de transformação para o estilo flamenco, sendo
precursor de Jaime Huguet.
Jaume Huguet (Valls, Espanha, 1412 - Barcelona, Espanha,
1492) foi um pintor gótico catalão. Huguet traz em seu estilo uma evolução do
estilo gótico internacional, incorporando definitivamente elementos da arte
flamenga. Sua formação se deu principalmente em Barcelona. Em 1448 abriu sua
oficina e logo monopolizou a realização de retábulos na Catalunha durante a
segunda metade do século XV. Huguet teve entre seus principais clientes
diversas ordens religiosas. Devido a isso, e após diversos conflitos nas
igrejas locais, boa parte da obra de Huguet se perdeu.
As obras de Huguet trazem em si as aspirações espirituais –
e sociais – da emergente classe burguesa. Mas os desejos de seus clientes não o
impedem de experimentar, utilizando a tridimensionalidade através das cores.
Assim, como Martorell, o artista também se tornou notável pela dramaticidade e
expressividade das feições de suas figuras.
Muito se perdeu e muito se esqueceu. Martorell e Huguet são
dois dos muitos pintores que fizeram a arte espanhola. Referências pouco
citadas, mas muito sentidas por todas as sensibilidades que vieram depois deles
– sejam seguidores ou simples observadores.
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