segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Suíça é terra privilegiada para a música clássica



A Suíça é um dos países onde mais ocorrem festivais musicais no mundo, dentre os quais vários especializados em música clássica e com reputação internacional.

O que explica essa situação privilegiada? Como manter o nível? Três críticos musicais de renome dão sua opinião.

Para os amantes da música, o pequeno país alpino é visto por muitos como um paraíso. Afora as temporadas regulares da Ópera de Zurique, da Orquestra da Suíça Francófona ou da Orquestra Tonhalle, se junta uma série de eventos de renome como os festivais de Lucerna, Verbier ou o Menuhin de Gstaad entre os grandes e outros como o Progetto Martha Argerich de Lugano, e o Setembro Musical de Montreux ou o Festival de Sion.

Fundado em 1938, o Festival de Lucerna ocupa um lugar central no calendário cultural europeu, apesar de que muitos dos seus fãs suíços nunca tenham escutado um concerto no imponente palácio de congressos, a Kunst- und Kongresshaus (KKL), e que as entradas possam custar entre 200 a 300 francos suíços. Esses fatores explicam as frequentes críticas de que esses festivais seriam eventos elitistas patrocinados por bancos e marcas de relógios de luxo, acessíveis apenas a uma clientela internacional privilegiada. Porém manter programas de tão alto nível custa muito dinheiro, um recurso que parece existir em abundância na Suíça.

Um mundo que necessita de mudanças

“O segredo dos grandes festivais suíços se resume ao dinheiro. Porém o seu panorama musical está congelado no tempo, paralisado pelo terror às mudanças. Os músicos pensam em sua segurança e a idade média do público é a mesma dos conselhos de administração das empresas patrocinadoras. Creio que a cena musical suíça é deprimente”, declara o escritor britânico Norman Lebrecht, um reconhecido crítico musical de fama mundial, cuja influência chega até à China.

Em sua opinião, o maior perigo que enfrenta Lucerna está no fato de todo o peso recair sobre duas figuras míticas: o compositor e diretor de orquestra francês Pierre Boulez e o italiano Claudio Abbado, considerado por muitos como o melhor diretor de orquestra vivo.

“Lucerna construiu sua fama atual ao redor desses dois homens. Porém ambos têm graves problemas de saúde e são idosos. Quando eles se indispuseram no verão passado, o festival cambaleou bastante. E o pior é que não haja um plano para superar o problema nem uma geração de jovens que possa seguir seus passos”, declara.

No entanto, Norman Lebrecht tem palavras de apreço para outro evento menos conhecido do grande público e “que mantém os valores artísticos acima de todas as outras considerações. Um bom exemplo é o Progetto Martha Argerich de Lugano”, ressalta o autor da obra “The Maestro Myth”.

O Progetto reúne músico de todas as partes do mundo que atendem o chamado de uma lenda viva do piano: a argentina Martha Argerich, uma presença habitual em outra grande estação do verão alpino: o Festival de Verbier.

Academia musical nos Alpes

“É incrível a pouca distância com os artistas em Verbier. É possível vê-los tão próximos. Para um fã da música se trata de um grande atrativo”, comenta o fundador e diretor da revista “Scherzo”, a mais influente publicação em espanhol sobre a música clássica em espanhol, Luis Suñén.

A especialidade de Verbier, segundo o especialista de Madrid, encontra-se “no bom equilíbrio da programação entre concertos, recitais e música de câmara” e a orquestra homônima, que é o carro-chefe do festival. Em suas fileiras encontram-se músicos com menos de 30 anos originários da Europa, Ásia e América para aprender com as melhores batutas, um privilégio que traz muito prestígio ao evento. O Festival de Lucerna também apostou na formação de novos talentos. Dentre os mestres, destacam-se maestros como Boulez, Abbado ou o holandês Bernard Haitink.

“E não podemos esquecer os cenários de sonhos, pois os festivais suíços ocorrem em alguns dos espaços naturais mais bonitos que podemos imaginar”, acrescenta Jessica Duchen. Em nível puramente musical, a romancista britânica e crítica de música clássica do jornal londrino “The Independent” observa “uma forte tendência conservadora das programações” e uma “presença excessiva” dos patrocinadores.

Duchen destaca os esforços que realiza o Festival de Verbier para conseguir que músicos de fama mundial toquem juntos, “logrando dessa forma reuniões únicas e antológicas, embora algumas experiências sejam melhores do que outras.”

Um problema evidente é que muitas vezes esses festivais têm os mesmos artistas (não é raro ver os diretores ou solistas passarem de Verbier à Gstaad, ou de Lucerna a Montreux) e repertórios similares. E todos competem pelos mesmos patrocinadores e público, “uma realidade que não vemos apenas na Suíça, mas também em todos os grandes festivais da Europa”, analisa Luis Suñén.

Um modelo com futuro?

A Suíça pode manter sua posição privilegiada em longo prazo no mundo da música clássica? Para Jessica Duchen, o caminho ao futuro passa pela educação.

“Creio que o fundamental no modelo de Verbier e Lucerna é o elemento educativo. Isso torna a experiência em algo mais do que um exercício de marketing para milionários em férias. A música deveria estar ao alcance de todos e estes festivais têm certa responsabilidade para educar as audiências jovens”, comenta.

“A obrigação de um festival é trazer algo para a sociedade em que está inserido e não apenas um retorno de investimentos realizado pelos seus patrocinadores. E isso um bom patrocinador conhece ou, pelo menos, deveria conhecê-lo”, diz o diretor da Scherzo.

“Para qualquer festival, assim como qualquer política cultural, há dois aspectos fundamentais: o envolvimento na comunidade e a renovação. Ambos não são fáceis e, às vezes, parece que as festas mais exclusivas pensam que sempre haverá ricos de meia idade para continuar a participar deles. É preciso ser mais criativo e investir mais no futuro”, observa Luis Suñén.

Norman Lebrechtfaz aposta nas mudanças no topo: “O futuro da música clássica na Suíça depende muito do que irá ocorrer com as futuras nomeações dos cargos executivos na Orquestra Tonhalle de Zurique e da Orquestra da Suíça Francófona, em Genebra. Ambas necessitam de uma renovação baseada em líderes jovens, tanto em nível artístico como no executivo.”

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