A
artista Frida Kahlo, o compositor Ludwig van Beethoven, o ex-presidente
americano Franklin D. Roosevelt, a atriz Sarah Bernhardt, o cantor Ian Dury e o
célebre almirante Nelson, da Grã-Bretanha
As
deficiências físicas de muitas figuras históricas conhecidas, e outras nem
tanto, é um aspecto muitas vezes pouco conhecido do público.
Em
um museu de Veneza há quatro estátuas colossais de cavalos em cobre. A milhares
de quilômetros de lá, na magnífica igreja de Santa Sofia, em Istambul, fica a
tumba do homem que roubou essas esculturas – Enrico Dandolo.
Dirigente
e magistrado da República de Veneza em 1192, Dandolo liderou a Quarta Cruzada
(expedição militar cristã que pretendia conquistar o Egito muçulmano) até a
cidade de Constantinopla, na atual Turquia.
Seu
exército atingiu o coração do Império Bizantino.
Dandolo
foi um líder dinâmico que reformou o sistema monetário veneziano e se tornou
uma figura inspiradora no campo de batalha.
Quando
suas tropas flanqueavam o inimigo sob uma chuva de flechas, ele foi o líder
responsável pela vitória. Seus homens foram a primeira força militar
estrangeira a romper as muralhas da capital bizantina.
Dandolo
morreu em uma expedição no ano seguinte. Entre seus seguidores era considerado
um líder valente, enérgico e vigoroso. Para seus inimigos, era ambicioso,
inescrupuloso e astuto.
Mas
há dois aspectos de sua vida que podem surpreender o leitor.
Dandolo
realizou todas esses feitos com 90 anos – e já estava cego há mais de duas
décadas.
Deficientes
O
líder veneziano ficou cego após levar um golpe na cabeça, quando já era
sexagenário, segundo Thomas Madden, autor de sua biografia.
E
ele não foi o único guerreiro deficiente da Idade Média. O rei John da Bohemia,
que era cego, morreu cavalgando na batalha de Crecy, contra os ingleses.
Balduino
4º, rei de Jerusalém, venceu Saladino na batalha de Montgisard, em 1177, apesar
de estar seriamente debilitado pela lepra.
Na
lista de deficientes estão outras figuras famosas, como Ludwig van Beethoven,
cuja surdez se tornou amplamente conhecida, ou Julio César – que tinha
convulsões possivelmente devido a uma epilepsia.
Outro
exemplo é o almirante britânico Nelson, que ao perder seu braço direito
escreveu: “um almirante canhoto não voltará a ser considerado útil, portanto
quanto antes eu encontre uma morada humilde para me aposentar, melhor. É
preciso deixar espaço para que um homem melhor possa servir ao Estado”.
Entretanto,
a maior parte das pessoas não pensa nessas figuras históricas como deficientes,
segundo o sociólogo Tom Shakespeare, autor do livro Disability right and wrongs
(Erros e acertos das deficiências, em tradução livre).
Segundo
ele, a associação de identidade com deficiência é um conceito recente, do
século 20.
A
cadeira de rodas de Roosevelt
“A
deficiência está associada a excluídos. Quando aparece alguém como Dandolo, ele
recebe um status honorário de não deficiente”, diz. “Se tiveram êxito, não
podem ser deficientes. Esse aspecto de sua identidade não é priorizado”.
Além
disso, afirma, os deficientes sempre foram estimulados a dissimular ou esconder
sua condição.
Isso
ocorreu com Dandolo. “Circulavam histórias sobre como ele ocultava sua
cegueira. Colocava um cabelo em sua sopa e se queixava em voz alta”, segundo
seu biógrafo.
Seus
esforços anteciparam a atitude do presidente americano Franklin Roosevelt, mais
de sete séculos depois.
Paralisado
da cintura para baixo uma década antes de assumir o cargo, Roosevelt se
empenhou em esconder sua deficiência.
Há
dezenas de imagens dele em pé, já como presidente, mas sempre apoiado
cuidadosamente em algum suporte. Esse esforço seria resultado de uma suposição
de que a deficiência diminuiria suas perspectivas eleitorais.
Todas
as suas aparições eram meticulosamente coreografadas, para que a cadeira de
rodas não aparecesse. “Não há caricaturas ou imagens de arquivo que o mostrem
como deficiente, o que é extraordinário”, disse Shakespeare.
No
caso de Dandolo, até seu biógrafo afirmou não identificá-lo como deficiente.
Importância
simbólica
De
acordo com a mentalidade moderna, histórias de vida semelhantes dariam margem a
mensagens de otimismo sobre o potencial de todas as peasoas com deficiência.
Mas
as coisas eram diferentes na Idade Média. A grande ironia é que na época de
Dandolo, os imperadores bizantinos depostos eram cegados propositalmente para
evitar que voltassem ao poder.
Apesar
da história não ser escrita somente por meio dos feitos de grandes homens, o
sociólogo Tom Shakespeare afirma que a valorização das figuras deficientes tem
um propósito simbólico.
“É
muito importante nomear as pessoas porque temos uma visão muito negativa [das
pessoas com deficiência]“.
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