Para a ópera, o ano de 2009 flagra mais uma vez o investimento equivocado, pontual. Mas são trabalhos de olho no futuro os que podem dar resultado para a consolidação da ópera no cenário cultural brasileiro.
Cantores lutando para sobreviver; teatros fechados; teatros abertos, mas sem programação, cortes de verbas; poucos espetáculos. Talvez já seja possível afirmar, sem muito medo de ser pego no contrapé: 2009 têm tudo para entrar para a história como um ano desastroso para a ópera brasileira. Há atenuantes, sim, o maior deles o fechamento dos teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo, ocasionado por reformas a muito necessárias. Mas fatos como esse, se explicam em parte a ausência de espetáculos, não podem impedir a constatação da fragilidade do cenário, e uma vez mais, a necessidade de sua profissionalização.
Uma breve viagem Brasil afora: em Manaus, o Festival Amazonas de Ópera programou uma extensa homenagem à produção lírica francesa, por conta do ano da França no Brasil. Pouco antes de seu início, precisou cortar a temporada pela metade. O motivo, falta de verbas. Ainda na região norte, em Belém, o Festival Internacional de Ópera da Amazônia produziu apenas um título, Romeu e Julieta, de Gounod. A boa notícia vem de Belo Horizonte, com três títulos no Palácio das Artes: um Macbeth, de Verdi, em junho; A menina das nuvens, de Villa-Lobos, no mês passado e para este mês está anunciado o impactante monólogo Erwartung, de Arnold Schoenberg. Dando um pulo em direção à região sul: Curitiba apresentou uma Carmen de Bizet, no Teatro Guaíra. E é só.
Chegamos, então, a São Paulo e Rio. As reformas dos teatros municipais das duas cidades são necessárias, não há dúvida. Além da restauração patrimonial, o que se espera é que o aparato técnico dos teatros também ganhe em qualidade. Em São Paulo, que tem produzido regularmente e cada vez mais, não e descabida a esperança de que a reforma se some a outras medidas de infra-estrutura já realizadas, com a criação da central técnica de produção, para formar uma sistemática mais saudável de trabalho. No Rio, porém, ainda estamos em saber o que acontece depois da reabertura, uma vez que nos últimos anos tem sido poucos e de qualidade questionável os espetáculos apresentados na casa.
A necessidade das reformas, porém, não responde ou ameniza algumas questões; quais os prejuízos artísticos de mais de um ano com corpos estáveis parados, ou quase parados, sem interpretar o repertório lírico, sua principal função? Será que não existiria uma alternativa? Será que uma temporada em outro espaço seria inviável? Não seria o caso de, com verbas comprometidas pelo ano atípico, reforçar as parcerias com teatros de outros Estados? Ou então de montar uma programação obviamente reduzida, mas ainda assim inventiva, com óperas em concerto, galas líricas ou, porque não, séries dedicadas a outros aspectos vocais? Afinal, quanto tempo será necessário para que o repertório de canções (brasileiro ou não) ganhe espaços nas programações?
Em São Paulo, há ainda o caso do Theatro São Pedro. Foi aberto um edital que prometeu para o público paulistano cinco títulos: Cavalleria Rusticana, de Mascagni; I Pagliacci, de Leoncavallo; A voz humana, de Francis Poulenc; A tempestade, de Ronaldo Miranda; The Turn of the Screw, de Britten. Na lista estaria ainda uma produção do Núcleo Universitário De Ópera e a possibilidade de remontagem de Porgy and Bess, produção indicada no ano passado em diversas categorias do Prêmio Carlos Gomes.
A verba deveria vir do governo do estado, por meio da APAA, organização social responsável pela gestão do São Pedro e outros teatros estaduais – R$ 200 mil para cada título, valor baixo que, na prática, levou os produtores a buscar alternativas de financiamento. Em ano de crise, o saldo final é desastroso. A voz humana, remontagem da banda sinfônica, foi apresentada; Cavalleria também; O Britten, no entanto, foi cancelado; o mesmo ocorreu com A Tempestade; o Pagliacci, previsto para novembro, enfrenta sérios problemas de financiamento; e Porgy and Bess, está definitivamente fora.
Ainda no governo Geraldo Alckimin, um decreto fez do São Pedro espaço da ópera. Com a chegada da nova gestão, os bastidores da ópera paulista andaram tumultuados com boatos que a Secretaria do Estado da Cultura questionava a vocação operística do teatro. A Secretaria nega isso e de fato não apresentou nenhum outro plano de ocupação do espaço. Mas a realidade é que, quase três anos depois, também não ofereceu as condições para que o São Pedro se estabeleça. Um teatro como este não precisa competir com o Municipal. Suas dimensões permitem aproximações diferentes. O São Pedro pode abrigar produções do repertório clássico, permitindo o desenvolvimento de cantores, maestro, músicos. Pode ser também um espaço para novas obras, estrangeiras ou brasileiras, oferecendo a intérpretes, compositores e público um estimulante contato com o que seria a ópera no início do século XXI, fomentando a divulgação da música nova. Ou então, em um momento em que o Estado cria uma nova companhia de dança e da os retoques finais em um projeto de vanguarda de uma escola estatal de teatro, porque não pensar no São Pedro como a sede de um projeto de Ópera Estúdio, apostando na formação de profissionais – cantores – cenógrafos, regentes, diretores de cena, figurinistas, iluminadores – que se interessam pela produção operística?
A ópera é um espetáculo diferenciado. Custa dinheiro, sim, mas oferece a possibilidade de dialogo entre diversas artes – e, consequentemente, pode ser laboratório de investigação estética. Quando se leva ao palco um título como La Traviatta ou Carmen, ou qualquer outro do chamado grande repertório, o que se dá é a oportunidade de fazer dialogar a tradição artística ocidental com a nossa época, que pode oferecer a ele novas leituras, novos olhares que não só podem ressignificá-lo como também apontar caminhos para a produção atual. A ópera não pode – e não mundo todo isto já acontece – ser vista com o um espetáculo museológico, anacrônico. Sua proposta como gênero artístico é extremamente moderna. E não faltam opções para que ela desempenhe seu papel no contexto da produção cultural de nosso momento histórico. Para tanto, preconceitos precisam cair de vez por terra. E a vontade política deve se manifestar fomentando projeto a longo prazo de formação de profissionais e público. Um ano como este flagra mais uma vez o investimento equivocado, pontual: o que temos são migalhas de política cultural, que se foca no evento mais do que na produção a longo prazo. Mas são justamente os trabalhos de olho no futuro os que podem dar resultado e criar uma sistemática de produção que leve à consolidação da ópera no cenário cultural brasileiro. Se cabe às prefeituras e ao estado criá-los, também é possível exigir do governo federal por meio de veículos como a Funarte (que prometeu, e não criou, um edital para a circulação de montagens pelo território nacional), atenção à ópera. Mobilização é um termo fora de uso em nossa época. E talvez por isso mesmo, seja tão necessária. Estamos esperando exatamente o que?
João Luiz Sampaio, jornalista.
Concerto, outubro 2009. p. 19
Cantores lutando para sobreviver; teatros fechados; teatros abertos, mas sem programação, cortes de verbas; poucos espetáculos. Talvez já seja possível afirmar, sem muito medo de ser pego no contrapé: 2009 têm tudo para entrar para a história como um ano desastroso para a ópera brasileira. Há atenuantes, sim, o maior deles o fechamento dos teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo, ocasionado por reformas a muito necessárias. Mas fatos como esse, se explicam em parte a ausência de espetáculos, não podem impedir a constatação da fragilidade do cenário, e uma vez mais, a necessidade de sua profissionalização.
Uma breve viagem Brasil afora: em Manaus, o Festival Amazonas de Ópera programou uma extensa homenagem à produção lírica francesa, por conta do ano da França no Brasil. Pouco antes de seu início, precisou cortar a temporada pela metade. O motivo, falta de verbas. Ainda na região norte, em Belém, o Festival Internacional de Ópera da Amazônia produziu apenas um título, Romeu e Julieta, de Gounod. A boa notícia vem de Belo Horizonte, com três títulos no Palácio das Artes: um Macbeth, de Verdi, em junho; A menina das nuvens, de Villa-Lobos, no mês passado e para este mês está anunciado o impactante monólogo Erwartung, de Arnold Schoenberg. Dando um pulo em direção à região sul: Curitiba apresentou uma Carmen de Bizet, no Teatro Guaíra. E é só.
Chegamos, então, a São Paulo e Rio. As reformas dos teatros municipais das duas cidades são necessárias, não há dúvida. Além da restauração patrimonial, o que se espera é que o aparato técnico dos teatros também ganhe em qualidade. Em São Paulo, que tem produzido regularmente e cada vez mais, não e descabida a esperança de que a reforma se some a outras medidas de infra-estrutura já realizadas, com a criação da central técnica de produção, para formar uma sistemática mais saudável de trabalho. No Rio, porém, ainda estamos em saber o que acontece depois da reabertura, uma vez que nos últimos anos tem sido poucos e de qualidade questionável os espetáculos apresentados na casa.
A necessidade das reformas, porém, não responde ou ameniza algumas questões; quais os prejuízos artísticos de mais de um ano com corpos estáveis parados, ou quase parados, sem interpretar o repertório lírico, sua principal função? Será que não existiria uma alternativa? Será que uma temporada em outro espaço seria inviável? Não seria o caso de, com verbas comprometidas pelo ano atípico, reforçar as parcerias com teatros de outros Estados? Ou então de montar uma programação obviamente reduzida, mas ainda assim inventiva, com óperas em concerto, galas líricas ou, porque não, séries dedicadas a outros aspectos vocais? Afinal, quanto tempo será necessário para que o repertório de canções (brasileiro ou não) ganhe espaços nas programações?
Em São Paulo, há ainda o caso do Theatro São Pedro. Foi aberto um edital que prometeu para o público paulistano cinco títulos: Cavalleria Rusticana, de Mascagni; I Pagliacci, de Leoncavallo; A voz humana, de Francis Poulenc; A tempestade, de Ronaldo Miranda; The Turn of the Screw, de Britten. Na lista estaria ainda uma produção do Núcleo Universitário De Ópera e a possibilidade de remontagem de Porgy and Bess, produção indicada no ano passado em diversas categorias do Prêmio Carlos Gomes.
A verba deveria vir do governo do estado, por meio da APAA, organização social responsável pela gestão do São Pedro e outros teatros estaduais – R$ 200 mil para cada título, valor baixo que, na prática, levou os produtores a buscar alternativas de financiamento. Em ano de crise, o saldo final é desastroso. A voz humana, remontagem da banda sinfônica, foi apresentada; Cavalleria também; O Britten, no entanto, foi cancelado; o mesmo ocorreu com A Tempestade; o Pagliacci, previsto para novembro, enfrenta sérios problemas de financiamento; e Porgy and Bess, está definitivamente fora.
Ainda no governo Geraldo Alckimin, um decreto fez do São Pedro espaço da ópera. Com a chegada da nova gestão, os bastidores da ópera paulista andaram tumultuados com boatos que a Secretaria do Estado da Cultura questionava a vocação operística do teatro. A Secretaria nega isso e de fato não apresentou nenhum outro plano de ocupação do espaço. Mas a realidade é que, quase três anos depois, também não ofereceu as condições para que o São Pedro se estabeleça. Um teatro como este não precisa competir com o Municipal. Suas dimensões permitem aproximações diferentes. O São Pedro pode abrigar produções do repertório clássico, permitindo o desenvolvimento de cantores, maestro, músicos. Pode ser também um espaço para novas obras, estrangeiras ou brasileiras, oferecendo a intérpretes, compositores e público um estimulante contato com o que seria a ópera no início do século XXI, fomentando a divulgação da música nova. Ou então, em um momento em que o Estado cria uma nova companhia de dança e da os retoques finais em um projeto de vanguarda de uma escola estatal de teatro, porque não pensar no São Pedro como a sede de um projeto de Ópera Estúdio, apostando na formação de profissionais – cantores – cenógrafos, regentes, diretores de cena, figurinistas, iluminadores – que se interessam pela produção operística?
A ópera é um espetáculo diferenciado. Custa dinheiro, sim, mas oferece a possibilidade de dialogo entre diversas artes – e, consequentemente, pode ser laboratório de investigação estética. Quando se leva ao palco um título como La Traviatta ou Carmen, ou qualquer outro do chamado grande repertório, o que se dá é a oportunidade de fazer dialogar a tradição artística ocidental com a nossa época, que pode oferecer a ele novas leituras, novos olhares que não só podem ressignificá-lo como também apontar caminhos para a produção atual. A ópera não pode – e não mundo todo isto já acontece – ser vista com o um espetáculo museológico, anacrônico. Sua proposta como gênero artístico é extremamente moderna. E não faltam opções para que ela desempenhe seu papel no contexto da produção cultural de nosso momento histórico. Para tanto, preconceitos precisam cair de vez por terra. E a vontade política deve se manifestar fomentando projeto a longo prazo de formação de profissionais e público. Um ano como este flagra mais uma vez o investimento equivocado, pontual: o que temos são migalhas de política cultural, que se foca no evento mais do que na produção a longo prazo. Mas são justamente os trabalhos de olho no futuro os que podem dar resultado e criar uma sistemática de produção que leve à consolidação da ópera no cenário cultural brasileiro. Se cabe às prefeituras e ao estado criá-los, também é possível exigir do governo federal por meio de veículos como a Funarte (que prometeu, e não criou, um edital para a circulação de montagens pelo território nacional), atenção à ópera. Mobilização é um termo fora de uso em nossa época. E talvez por isso mesmo, seja tão necessária. Estamos esperando exatamente o que?
João Luiz Sampaio, jornalista.
Concerto, outubro 2009. p. 19
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