quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Lenda do Tambatajá


O compositor paraense Waldemar Henrique (1905-1995) dedicou grande parte de sua obra para enaltecer e difundir o belo folclore de seu estado. Suas composições originalmente foram escritas para piano e solo, no entanto, dado harmonia de fácil assimilação e a beleza das melodias, suas obras tem sido regularmente arranjadas e interpretadas por corais.
"Tamba-tajá" é, sem dúvida, uma de suas mais famosas obras.
A fim de cumprir os propósitos do compositor no que diz respeito a difundir o folclore paraense e com o objetivo de fornecer conteúdo interpretativo aos corais que pretendem colocar a referida obra em seu repertório, dispomos abaixo a lenda que originou a canção.
"Há milhares anos atrás, na tribo Macuxi, havia um guerreiro forte e corajoso que se apaixonou por uma linda jovem de sua aldeia. Ela lhe correspondeu tão nobre sentimento e passadas algumas luas, uniram-se em matrimônio.

Casal tão apaixonado nunca mais existiu. Passavam sussurrando juras de amor baixinho, um para o outro. Mas eis que um dia, um estranho mal se acometeu da indiazinha, tornando-a paralítica. O índio Macuxi, para não separar-se de sua amada, teceu uma tipóia e a carregava em suas costas. Mas apesar de tantos cuidados e carinhos, ela não resistiu à enfermidade e morreu.

O guerreiro foi então à floresta e cavou um buraco à beira de um igarapé, enterando-se junto com sua adorada esposa, pois sua vida não tinha mais sentido sem ela.

Ao cair de algumas e chegando a grávida Lua Cheia, da sepultura brotou uma delicada planta, uma espécie desconhecida para os mais entendidos índios Macuxis.

Era a Tamba-tajá, planta de folhas triangulares, de cor verde, trazendo em seu verso outra folha de tamanho reduzido, onde visualizava-se um bordado de um desenho que parecia-se com o desenho de um órgão sexual feminino. A união das duas folhas, representava o grande amor do casal que nem mesmo a morte conseguiu separá-los."

Nunes Pereira forneceu a Waldemar Henrique a letra graciosa e sugestiva de uma linda e amorosa página, intitulada Tamba-tajá:

"Tamba-tajá, me faz feliz. Que meu amor me queira bem. Que o seu amor seja só meu,de mais ninguém que seja meu,todinho meu, de mais ninguém. Tamba-tajá, me faz feliz, assim o índio carregou sua macuxi para o roçado, para a guerra, para a morte, assim carregue o nosso amor a boa sorte. Tamba-tajá, me faz feliz. Que mais ninguém possa beijar o que beijei. Que mais ninguém escute aquilo que escutei, nem possa olhar dentro dos olhos que eu olhei, Tamba-tajá, tamba-tajá".

Rosana Volpatto


Acesso em: 08.10.08

sábado, 22 de novembro de 2008

"Rádio Qualidade"

Na quarta-feira, dia 19 de novembro, a parceria mantida entre a Liner Consultoria e o Voz Ativa Madrigal promoveu mais um Workshow de treinamento. O palestrante foi Marcus Vinícius e o tema desenvolvido foi “Motivação”. O evento fez parte da “Semana de Qualidade em Alimentos” promovida pelo SENAI da Barra Funda.
O produto da parceria entre as duas entidades é o Workshow denominado “Rádio Qualidade”. A palestra e, por conseguinte, o treinamento é oferecido em formato de programa de rádio com vinhetas, entrevistas e músicas com conteúdos que transmitem, ilustram e fixam os temas propostos. A parte musical fica sob a responsabilidade do Voz Ativa que também apresenta obras do seu repertório de MPB e erudito. A nova proposta tem tido calorosa recepção pelas empresas que contratam o trabalho.
O Sr. Marcus Vinicius Pereira de Oliveira, psicólogo e especialista em qualidade de alimentos, é sócio-diretor da Liner Consultoria e também idealizador do treinamento “Rádio Qualidade”. O formato, desenvolvido pelo Dr. Marcus Vinícius e Maestro Ricardo Barbosa, é cuidadosamente planejado levando-se em consideração aspectos didático–pedagógicos e processos subjetivos desencadeados pela música. A parceria entre a Liner Consultoria e o Voz Ativa Madrigal fará quatro anos e o produto oferecido a partir dela tem inovado o conceito de treinamento no mundo empresarial.
Casa do Pão de Queijo, SENAI e Sakura são algumas das empresas que contrataram o programa e testemunham a qualidade e eficiência oferecida através do formato.
Conheça mais acessando http://www.linerconsultoria.com.br/ informações pelo e-mail: liner@linerconsultoria.com.br

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Clássicos ganham nova vida no mercado de downloads


Com números inexpressivos na venda de CDs, gênero chega à internet com vigor, entre blogs e sites de gravadoras

Para uma área que tem a pecha de coisa do passado, ligada apenas à tradição e ao cânone, inexpressiva no mercado fonográfico perante os números e somas da música popular, pode ser surpreendente o que mostram os números: segundo pesquisa de 2007, os clássicos e a ópera formavam apenas 4% do total das vendas de CDs; no total de downloads, no entanto, o número triplicava, chegando a 12%.O alto preço dos discos e a distribuição errática ajudam a explicar o sucesso da música clássica na rede. Mas não só isso. Há quem afirme que a própria natureza desse segmento casa bem com o download. A lógica é a seguinte: para o fã de ópera, não basta ter uma gravação do Rigoletto, de Verdi; a cada novo registro, a cada novo intérprete, o interesse se renova - e aí, haja bolso... O fato, enfim, é que as próprias gravadoras resolveram comprar a idéia. O mais tradicional dos selos, o Deutsche Grammophon, serve como exemplo, e não é o único: todos os seus discos saem primeiro na rede e, depois, em disco. Mais: todo o acervo da gravadora está sendo colocado na rede, o que significa, entre outras coisas, que cerca de 500 registros que estavam fora de catálogo agora podem ser comprados por preços que ficam em torno de US $ 2 por faixa.Verdadeiras jóias, no entanto, encontram-se mesmo fora dos catálogos dos grandes selos. E têm ganhado cada vez mais vida na internet por meio de sites como o YouTube e outros, blogs e sites oficiais, dedicados especificamente à área. Entre os oficiais, um exemplo é a BBC, que está disponibilizando integrais de sinfonias de autores como Beethoven. Já entre os extra-oficiais, digamos assim, há para todos os gostos.O Handelmania (www.handelmania.com) é um dos mais completos e interessantes. Você não encontra nele gravações completas, mas, sim, podcasts com compilações das mais curiosas - que tal ouvir 20 versões de uma ária da ópera Il Trovatore? Ou uma seleção das grandes intérpretes de Isolda, de Wagner? Outra opção é o blog Parterre Box, (http://parterre.com/?page_id=40), mantido por um tal de La Cieca (alusão à ópera La Gioconda). Além de um acervo riquíssimo, ali você encontra também gravações recentes, feitas a partir de transmissões radiofônicas dos principais teatros e casas de ópera do mundo.
João Luiz Sampaio

Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081114/not_imp277595,0.phpExcelente

Acesso em: 14.11.2008

Colaborou: Luciana Pansa

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Cd Negro Spiritual - Terceira Fase


Neste final de semana o Voz Ativa cumpriu mais uma fase da gravação de seu Cd de Negro Spiritual. No domingo, 16 de novembro, o grupo esteve no Estúdio do Gato, onde estão sendo realizadas as gravações, e incorporou mais três obras ao repertório que comporá o referido trabalho. Foram elas: “Some Time I feel like a Motherless Child”, “When I Lay My Burden Down” e “Down by the Riverside”
Nesta fase Giba Estebez, pianista especialmente convidado para este projeto, participou da gravação de duas faixas ( “When I Lay my Burden Down” e “Down by the Riverside”) A partir desta fase todas peças gravadas terão acompanhamento de piano.
O próximo dia de gravação previsto é 07 de dezembro, ocasião em que serão gravadas mais três peças musicais.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Noviça Rebelde - Teste Para Cantores / Atores / Bailarinos

AVENTURA convoca para testes de canto, atuação e dança.
Um espetáculo de CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO.
TESTES TEMPORADA SÃO PAULO, 2009.
Rolf: ator/cantor com idade aproximada de 17 anos, experiência em dança.
Crianças: meninos de 11 a 15 anos e meninas de 5 a 18 anos, que tenham noções de canto e interpretação.
Os candidatos devem enviar currículo com foto recente de corpo inteiro até 20 de novembro para: anovicarebeldesp@aventuraentretenimento.com.br ou para
caixa postal nº 33007, CEP 22440-970 – RJ.
Informações: (21) 2286-2035 de segunda à sexta, das 12h às 18h.

COSESP ABRE VAGAS PARA CANTORES

domingo, 9 de novembro de 2008

Machado de Assis

No ano que marca o centésimo aniversario da morte de Machado de Assis, o Voz Ativa Madrigal, cônscio da grandeza deste brasileiro, presta sua homenagem publicando um texto singular do escritor. Trata-se de “Trio em Lá Menor”. Este texto é divido em pequenos capítulos intitulados como uma obra musical, além, é claro, de possuir temática relacionada à música. Leia abaixo o belo e interessante texto na integra.

Trio em Lá Menor - Machado de Assis

I

ADAGIO CANTABILE

Maria Regina acompanhou a avó até o quarto, despediu-se e recolheu-se ao seu. A mucama que a servia, apesar da familiaridade que existia entre elas, não pôde arrancar-lhe uma palavra, e saiu, meia hora depois, dizendo que Nhanhã estava muito séria. Logo que ficou só, Maria Regina sentou-se ao pé da cama, com as pernas estendidas, os pés cruzados, pensando.
A verdade pede que diga que esta moça pensava amorosamente em dois homens ao mesmo tempo, um de vinte e sete anos, Maciel - outro de cinqüenta, Miranda. Convenho que é abominável, mas não posso alterar a feição das coisas, não posso negar que se os dois homens estão namorados dela, ela não o está menos de ambos. Uma esquisita, em suma; ou, para falar como as suas amigas de colégio, uma desmiolada. Ninguém lhe nega coração excelente e claro espírito; mas a imaginação é que é o mal, uma imaginação adusta e cobiçosa, insaciável principalmente, avessa à realidade, sobrepondo às coisas da vida outras de si mesma; daí curiosidades irremediáveis.
A visita dos dois homens (que a namoravam de pouco) durou cerca de uma hora. Maria Regina conversou alegremente com eles, e tocou ao piano uma peça clássica, uma sonata, que fez a avó cochilar um pouco. No fim discutiram música. Miranda disse coisas pertinentes acerca da música moderna e antiga; a avó tinha a religião de Bellini e da Norma, e falou das toadas do seu tempo, agradáveis, saudosas e principalmente claras. A neta ia com as opiniões do Miranda; Maciel concordou polidamente com todos.
Ao pé da cama, Maria Regina reconstruía agora tudo isso, a visita, a conversação, a música, o debate, os modos de ser de um e de outro, as palavras do Miranda e os belos olhos do Maciel. Eram onze horas, a única luz do quarto era a lamparina, tudo convidava ao sonho e ao devaneio. Maria Regina, à força de recompor a noite, viu ali dois homens ao pé dela, ouviu-os, e conversou com eles durante uma porção de minutos, trinta ou quarenta, ao som da mesma sonata tocada por ela: lá, lá, lá...


II

ALLEGRO, MA NON TROPPO


No dia seguinte a avó e a neta foram visitar uma amiga na Tijuca. Na volta a carruagem derribou um menino que atravessava a rua, correndo. Uma pessoa que viu isto, atirou-se aos cavalos e, com perigo de si própria, conseguiu detê-los e salvar a criança, que apenas ficou ferida e desmaiada. Gente, tumulto, a mãe do pequeno acudiu em lágrimas. Maria Regina desceu do carro e acompanhou o ferido até à casa da mãe, que era ali ao pé.
Quem conhece a técnica do destino adivinha logo que a pessoa que salvou o pequeno foi um dos dois homens da outra noite; foi o Maciel. Feito o primeiro curativo, o Maciel acompanhou a moça até à carruagem e aceitou o lugar que a avó lhe ofereceu até a cidade. Estavam no Engenho Velho. Na carruagem é que Maria Regina viu que o rapaz trazia a mão ensangüentada. A avó inquiria a miúdo se o pequeno estava muito mal, se escaparia; Maciel disse-lhe que os ferimentos eram leves. Depois contou o acidente: estava parado, na calçada, esperando que passasse um tílburi, quando viu o pequeno atravessar a rua por diante dos cavalos; compreendeu o perigo, e tratou de conjurá-lo, ou diminuí-lo.
- Mas está ferido, disse a velha.
- Coisa de nada.
- Está, está, acudiu a moça; podia ter-se curado também.
- Não é nada, teimou ele; foi um arranhão, enxugo isto com o lenço.
Não teve tempo de tirar o lenço; Maria Regina ofereceu-lhe o seu. Maciel, comovido, pegou nele, mas hesitou em maculá-lo. - Vá, vá, dizia-lhe ela; e vendo-o acanhado, tirou-lho e enxugou-lhe, ela mesma, o sangue da mão.
A mão era bonita, tão bonita como o dono; mas parece que ele estava menos preocupado com a ferida da mão que com o amarrotado dos punhos. Conversando, olhava para eles disfarçadamente e escondia-os. Maria Regina não via nada, via-o a ele, via-lhe principalmente a ação que acabava de praticar, e que lhe punha uma auréola. Compreendeu que a natureza generosa saltara por cima dos hábitos pausados e elegantes do moço, para arrancar à morte uma criança que ele nem conhecia. Falaram do assunto até a porta da casa delas; Maciel recusou, agradecendo, a carruagem que elas lhe ofereciam, e despediu-se até à noite.
- Até a noite! repetiu Maria Regina.
- Esperou-o ansiosa. Ele chegou, por volta de oito horas, trazendo uma fita preta enrolada na mão, e pediu desculpa de vir assim; mas disseram-lhe que era bom pôr alguma coisa e obedeceu.
- Mas está melhor!
- Estou bom, não foi nada.
- Venha, venha, disse-lhe a avó, do outro lado da sala. Sente-se aqui ao pé de mim: o senhor é um herói.
Maciel ouvia sorrindo. Tinha passado o ímpeto generoso, começava a receber os dividendos do sacrifício. O maior deles era a admiração de Maria Regina, tão ingênua e tamanha, que esquecia a avó e a sala. Maciel sentara-se ao lado da velha. Maria Regina defronte de ambos. Enquanto a avó, restabelecida do susto, contava as comoções que padecera, a princípio sem saber de nada, depois imaginando que a criança teria morrido, os dois olhavam um para o outro, discretamente, e afinal esquecidamente. Maria Regina perguntava a si mesma onde acharia melhor noivo. A avó, que não era míope, achou a contemplação excessiva, e falou de outra coisa; pediu ao Maciel algumas notícias de sociedade.


III

ALLEGRO APPASSIONATO

Maciel era homem, como ele mesmo dizia em francês, très répandu; sacou da algibeira uma porção de novidades miúdas e interessantes. A maior de todas foi a de estar desfeito o casamento de certa viúva.
- Não me diga isso! exclamou a avó. E ela?
- Parece que foi ela mesma que o desfez: o certo é que esteve anteontem no baile, dançou e conversou com muita animação. Oh! abaixo da notícia, o que fez mais sensação em mim foi o colar que ela levava, magnífico...
- Com uma cruz de brilhantes? perguntou a velha. Conheço; é muito bonito.
- Não, não é esse.
Maciel conhecia o da cruz, que ela levara à casa de um Mascarenhas; não era esse. Este outro ainda há poucos dias estava na loja do Resende, uma coisa linda. E descreveu-o todo, número, disposição e facetado das pedras; concluiu dizendo que foi a jóia da noite.
- Para tanto luxo era melhor casar, ponderou maliciosamente a avó.
- Concordo que a fortuna dela não dá para isso. Ora, espere! Vou amanhã, ao Resende, por curiosidade, saber o preço por que o vendeu. Não foi barato, não podia ser barato.
- Mas por que é que se desfez o casamento?
- Não pude saber; mas tenho de jantar sábado com o Venancinho Corrêa, e ele conta-me tudo. Sabe que ainda é parente dela? Bom rapaz; está inteiramente brigado com o barão...
A avó não sabia da briga; Maciel contou-lha de princípio a fim, com todas as suas causas e agravantes. A última gota no cálice foi um dito à mesa de jogo, uma alusão ao defeito do Venancinho, que era canhoto. Contaram-lhe isto, e ele rompeu inteiramente as relações com o barão. O bonito é que os parceiros do barão acusaram-se uns aos outros de terem ido contar as palavras deste. Maciel declarou que era regra sua não repetir o que ouvia à mesa do jogo, porque é lugar em que há certa franqueza.
Depois fez a estatística da rua do Ouvidor, na véspera, entre uma e quatro horas da tarde. Conhecia os nomes das fazendas e todas as cores modernas. Citou as principais toilettes do dia. A primeira foi a de Mme. Pena Maia, baiana distinta, très pschutt. A segunda foi a de Mlle. Pedrosa, filha de um desembargador de São Paulo, adorable. E apontou mais três, comparou depois as cinco, deduziu e concluiu. Às vezes esquecia-se e falava francês; pode mesmo ser que não fosse esquecimento, mas propósito; conhecia bem a língua, exprimia-se com facilidade e formulara um dia este axioma etnológico - que há parisienses em toda a parte. De caminho, explicou um problema de voltarete.
- A senhora tem cinco trunfos de espadilha e manilha, tem rei e dama de copas...
Maria Regina ia descambando da admiração no fastio; agarrava-se aqui e ali, contemplava a figura moça do Maciel, recordava a bela ação daquele dia, mas ia sempre escorregando; o fastio não tardava a absorvê-la. Não havia remédio. Então recorreu a um singular expediente. Tratou de combinar os dois homens, o presente com o ausente, olhando para um, e escutando o outro de memória; recurso violento e doloroso, mas tão eficaz, que ela pôde contemplar por algum tempo uma criatura perfeita e única.
Nisto apareceu o outro, o próprio Miranda. Os dois homens cumprimentaram-se friamente; Maciel demorou-se ainda uns dez minutos e saiu.
Miranda ficou. Era alto e seco, fisionomia dura e gelada. Tinha o rosto cansado, os cinqüenta anos confessavam-se tais, nos cabelos grisalhos, nas rugas e na pele. Só os olhos continham alguma coisa menos caduca. Eram pequenos, e escondiam-se por baixo da vasta arcada do sobrolho; mas lá, ao fundo, quando não estavam pensativos, centelhavam de mocidade. A avó perguntou-lhe, logo que Maciel saiu, se já tinha notícia do acidente do Engenho Velho, e contou-lho com grandes encarecimentos, mas o outro ouvia tudo sem admiração nem inveja.
- Não acha sublime? perguntou ela, no fim.
- Acho que ele salvou talvez a vida a um desalmado que algum dia, sem o conhecer, pode meter-lhe uma faca na barriga.
- Oh! protestou a avó.
- Ou mesmo conhecendo, emendou ele.
- Não seja mau, acudiu Maria Regina; o senhor era bem capaz de fazer o mesmo, se ali estivesse.
Miranda sorriu de um modo sardônico. O riso acentuou-lhe a dureza da fisionomia. Egoísta e mau, este Miranda primava por um lado único: espiritualmente, era completo. Maria Regina achava nele o tradutor maravilhoso e fiel de uma porção de idéias que lutavam dentro dela, vagamente, sem forma ou expressão. Era engenhoso e fino e até profundo, tudo sem pedantice, e sem meter-se por matos cerrados, antes quase sempre na planície das conversações ordinárias; tão certo é que as coisas valem pelas idéias que nos sugerem. Tinham ambos os mesmos gostos artísticos; Miranda estudara direito para obedecer ao pai; a sua vocação era a música.
A avó, prevendo a sonata, aparelhou a alma para alguns cochilos. Demais, não podia admitir tal homem no coração; achava-o aborrecido e antipático. Calou-se no fim de alguns minutos. A sonata veio, no meio de uma conversação que Maria Regina achou deleitosa, e não veio senão porque ele lhe pediu que tocasse; ele ficaria de bom grado a ouvi-la.
- Vovó, disse ela, agora há de ter paciência...
Miranda aproximou-se do piano. Ao pé das arandelas, a cabeça dele mostrava toda a fadiga dos anos, ao passo que a expressão da fisionomia era muito mais de pedra e fel. Maria Regina notou a graduação, e tocava sem olhar para ele; difícil coisa, porque, se ele falava, as palavras entravam-lhe tanto pela alma, que a moça insensivelmente levantava os olhos, e dava logo com um velho ruim. Então é que se lembrava do Maciel, dos seus anos em flor, da fisionomia franca, meiga e boa, e afinal da ação daquele dia. Comparação tão cruel para o Miranda, como fora para o Maciel o cotejo dos seus espíritos. E a moça recorreu ao mesmo expediente. Completou um pelo outro; escutava a este com o pensamento naquele; e a música ia ajudando a ficção, indecisa a princípio, mas logo viva e acabada. Assim Titânia, ouvindo namorada a cantiga do tecelão, admirava-lhe as belas formas, sem advertir que a cabeça era de burro.


IV

MINUETTO

Dez, vinte, trinta dias passaram depois daquela noite, e ainda mais vinte, e depois mais trinta. Não há cronologia certa; melhor é ficar no vago. A situação era a mesma. Era a mesma insuficiência individual dos dois homens, e o mesmo complemento ideal por parte dela; daí um terceiro homem, que ela não conhecia.
Maciel e Miranda desconfiavam um do outro, detestavam-se a mais e mais, e padeciam muito, Miranda principalmente, que era paixão da última hora. Afinal acabaram aborrecendo a moça. Esta viu-os ir pouco a pouco. A esperança ainda os fez relapsos, mas tudo morre, até a esperança, e eles saíram para nunca mais. As noites foram passando, passando... Maria Regina compreendeu que estava acabado.
A noite em que se persuadiu bem disto foi uma das mais belas daquele ano, clara, fresca, luminosa. Não havia lua; mas nossa amiga aborrecia a lua, - não se sabe bem por que, - ou porque brilha de empréstimo, ou porque toda a gente a admira, e pode ser que por ambas as razões. Era uma das suas esquisitices. Agora outra.
Tinha lido de manhã, em uma notícia de jornal, que há estrelas duplas, que nos parecem um só astro. Em vez de ir dormir, encostou-se à janela do quarto, olhando para o céu, a ver se descobria alguma delas; baldado esforço. Não a descobrindo no céu, procurou-a em si mesma, fechou os olhos para imaginar o fenômeno; astronomia fácil e barata, mas não sem risco. O pior que ela tem é pôr os astros ao alcance da mão; por modo que, se a pessoa abre os olhos e eles continuam a fulgurar lá em cima, grande é o desconsolo e certa a blasfêmia. Foi o que sucedeu aqui. Maria Regina viu dentro de si a estrela dupla e única. Separadas, valiam bastante; juntas, davam um astro esplêndido. E ela queria o astro esplêndido. Quando abriu os olhos e viu que o firmamento ficava tão alto, concluiu que a criação era um livro falho e incorreto, e desesperou.
No muro da chácara viu então uma coisa parecida com dois olhos de gato. A princípio teve medo, mas advertiu logo que não era mais que a reprodução externa dos dois astros que ela vira em si mesma e que tinham ficado impressos na retina. A retina desta moça fazia refletir cá fora todas as suas imaginações. Refrescando o vento recolheu-se, fechou a janela e meteu-se na cama.
Não dormiu logo, por causa de duas rodelas de opala que estavam incrustadas na parede; percebendo que era ainda uma ilusão, fechou os olhos e dormiu. Sonhou que morria, que a alma dela, levada aos ares, voava na direção de uma bela estrela dupla. O astro desdobrou-se, e ela voou para uma das duas porções; não achou ali a sensação primitiva e despenhou-se para outra; igual resultado, igual regresso, e ei-la a andar de uma para outra das duas estrelas separadas. Então uma voz surgiu do abismo, com palavras que ela não entendeu.
- É a tua pena, alma curiosa de perfeição; a tua pena é oscilar por toda a eternidade entre dois astros incompletos, ao som desta velha sonata do absoluto: lá, lá, lá...


Assis, Machado de. Várias Histórias. W. M. Jackson Inc Editores - 1946.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"O Messias" G. F. Händel

(...) O Oratório encontra em Georg Friedrich Händel um de seus maiores expoentes. Ao todo, Händel compôs 24 oratórios, a maioria deles na Inglaterra, onde se estabeleceu definitivamente a partir de 1712, obtendo grande sucesso, durante muitos anos, como o mais importante compositor de óperas de Londres, as quais eram representadas por sua própria companhia.
Após longo período, porém, o interesse do público pelas óperas do compositor-empresário começou lentamente a declinar, o dinheiro deixou de entrar na proporção esperada, e os débitos começaram a se acumular. Nesse momento de crise financeira, Handel, sempre um compositor de enorme estatura, foi hábil em reconquistar as platéias criando os oratórios em idioma inglês. Eram verdadeiros dramas de argumento bíblico ou mitológico, com muita utilização do coro e árias que poderiam muito bem pertencer a óperas. Já que não eram encenadas, não precisavam de cenários nem de figurinos e tinham, portanto, um custo de produção muito inferior ao de um espetáculo de ópera. O sucesso inicial obtido com Esther em 1732 mostrou-lhe o caminho a seguir. Embora não abandonasse a ópera imediatamente, passou a produzir peças dos dois repertórios.
O rápido declínio de sua companhia lírica, com cancelamento de assinaturas e um crescimento assustador do rombo financeiro, igualmente veloz, foi o que provavelmente motivou a trombose sofrida por Handel em 1737, cujas conseqüências foram uma paralisia do lado direito do corpo e um esgotamento nervoso. Após uma estação de águas, entretanto, curou-se miraculosamente e voltou a compro, emobra não conseguisse outro milagre que recompusesse totalmente suas finanças. Depois de um associação de quase 20 anos, deixou o King’s Teater e mudou-se para o mais modesto Teatre Royal de Lincoln’s Inn Fields, pensando em dedicar-se principalmente aos oratórios.
Na época, Handel havia se tornado amido de um rico industrial com veleidades de poeta chamado Charles Jennens, o qual escreveu os libretos de dois de seus oratórios, Saul e Israel no Egito. Foi o sucesso dessas duas empreitadas que levou os dois amigos, em 1741, a criação do Messias, destinada a se tornar a obra mais conhecida de Handel e um dos mais importantes oratórios da História.
O Messias foi concebido em três partes: a primeira trata da profecia do advento de Cristo, seu nascimento e suas andanças pelo mundo; a segunda narra a Paixão, a Ressurreição, a Ascensão e o triunfo do Evangelho; a terceira tem caráter de doutrina, fala da fé na existência de Cristo e na segurança de uma vida imortal.
Na elaboração de libreto, Jennens foi extremamente hábil em extrair trechos do Velho e Novo Testamento, rearranjando a ordem dos versículos sempre que necessário para conferir uma maior dinâmica à narrativa. Vejamos, por exemplo, como ele construiu o texto da passagem mais famosa deste oratório, o famoso coro Hallelujah. A origem dos versículos utilizados figura entre parênteses:

Hallelujah / For the God Omnipotent reigneth (Apocalipse 19:6)
The kingdom of this world is become the Kingdom of our Lord / and of His Christ / and He shall reign / for ever and ever. (Apocalipse 11:15)
King of Kings / and Lord of Lords / and He shall reign / for ever and ever. (Apocalipse 19:16)

A época da composição, Handel tinha 56 anos. Sua maturidade temperada pelo sofrimentos e pelas seqüelas causadas por suas enfermidades fizeram-no aproximar-se da religiosidade.
Essa descoberta da espiritualidade acontece num momento em que sua trajetória de compositor atinge o ponto máximo de sua força criativa, combinando muita inspiração com um domínio absoluto da técnica.
Handel compôs o Messias numa só arrancada, readaptando eventualmente trechos de outras obras. Levou apenas vinte e quatro dias. Durante o trabalho chegava a se esquecer de comer. Sua concentração era intensa. Conta-se que, um dia, um criado o encontrou chorando e o ouviu dizer: “Julguei ver diante de mim o Paraíso e até o próprio Deus”. Naquele exato instante, Handel havia acabado de escrever o coro Hallelujah.
Terminou a partutura – conforme anotou na capa, ao lado da sigla S.G.P. (Soli Deo Gloria), em 14 de setembro de 1741.
Handel não mais se sentia a vontade em Londres. Após 30 anos, passara a ser
Hostilizado talvez porque sua época, a da primazia da ópera de modelo italiano, havia terminado. Assim, aceitou o convite do Lorde-Tenente irlandês William Cavendish para mudar-se para Dublin, dirigindo um concerto beneficente logo em sua chegada. Comovido com a carinhosa recepção dos irlandeses, Handel tirou da bagagem a partitura inédita de O Messias, que assim foi executada pela primeira vez em Deblin, em 13 de abril de 1742, no Neal’s Music Hall.
Embora a capacidade da sala fosse de cem lugares, havia lá dentro pouco mais de setecentos espectadores, fora a enorme multidão que se acotovelava diante do teatro na Fishamble Street. Foi um grande aglomeração sem precedentes, tão grande a ponto de se comentar que Handel voltaria a escrever óperas, algo que jamais se concretizou.
Em 23 de março de 1743, O Messias foi apresentado em Londres diante do Rei Jorge II, o qual, emocionado pela beleza do Hallelujah, pôs-se de pé em sinal de respeito, gerando uma tradição que se manteve por muitos anos.
Quando recebeu as felicitações pelo grande sucesso de seu oratório, Handel respondeu, com os olhos postos no futuro: “ Lamentaria se soubesse que apenas diverti o público. O que eu queria era torna-lo melhor”.

Sergio Casoy
(Pesquisador de música lírica e professor conferencista da História da Ópera na ECA/USP)