(...) O Oratório encontra em Georg Friedrich Händel um de seus maiores expoentes. Ao todo, Händel compôs 24 oratórios, a maioria deles na Inglaterra, onde se estabeleceu definitivamente a partir de 1712, obtendo grande sucesso, durante muitos anos, como o mais importante compositor de óperas de Londres, as quais eram representadas por sua própria companhia.
Após longo período, porém, o interesse do público pelas óperas do compositor-empresário começou lentamente a declinar, o dinheiro deixou de entrar na proporção esperada, e os débitos começaram a se acumular. Nesse momento de crise financeira, Handel, sempre um compositor de enorme estatura, foi hábil em reconquistar as platéias criando os oratórios em idioma inglês. Eram verdadeiros dramas de argumento bíblico ou mitológico, com muita utilização do coro e árias que poderiam muito bem pertencer a óperas. Já que não eram encenadas, não precisavam de cenários nem de figurinos e tinham, portanto, um custo de produção muito inferior ao de um espetáculo de ópera. O sucesso inicial obtido com Esther em 1732 mostrou-lhe o caminho a seguir. Embora não abandonasse a ópera imediatamente, passou a produzir peças dos dois repertórios.
O rápido declínio de sua companhia lírica, com cancelamento de assinaturas e um crescimento assustador do rombo financeiro, igualmente veloz, foi o que provavelmente motivou a trombose sofrida por Handel em 1737, cujas conseqüências foram uma paralisia do lado direito do corpo e um esgotamento nervoso. Após uma estação de águas, entretanto, curou-se miraculosamente e voltou a compro, emobra não conseguisse outro milagre que recompusesse totalmente suas finanças. Depois de um associação de quase 20 anos, deixou o King’s Teater e mudou-se para o mais modesto Teatre Royal de Lincoln’s Inn Fields, pensando em dedicar-se principalmente aos oratórios.
Na época, Handel havia se tornado amido de um rico industrial com veleidades de poeta chamado Charles Jennens, o qual escreveu os libretos de dois de seus oratórios, Saul e Israel no Egito. Foi o sucesso dessas duas empreitadas que levou os dois amigos, em 1741, a criação do Messias, destinada a se tornar a obra mais conhecida de Handel e um dos mais importantes oratórios da História.
O Messias foi concebido em três partes: a primeira trata da profecia do advento de Cristo, seu nascimento e suas andanças pelo mundo; a segunda narra a Paixão, a Ressurreição, a Ascensão e o triunfo do Evangelho; a terceira tem caráter de doutrina, fala da fé na existência de Cristo e na segurança de uma vida imortal.
Na elaboração de libreto, Jennens foi extremamente hábil em extrair trechos do Velho e Novo Testamento, rearranjando a ordem dos versículos sempre que necessário para conferir uma maior dinâmica à narrativa. Vejamos, por exemplo, como ele construiu o texto da passagem mais famosa deste oratório, o famoso coro Hallelujah. A origem dos versículos utilizados figura entre parênteses:
Hallelujah / For the God Omnipotent reigneth (Apocalipse 19:6)
The kingdom of this world is become the Kingdom of our Lord / and of His Christ / and He shall reign / for ever and ever. (Apocalipse 11:15)
King of Kings / and Lord of Lords / and He shall reign / for ever and ever. (Apocalipse 19:16)
A época da composição, Handel tinha 56 anos. Sua maturidade temperada pelo sofrimentos e pelas seqüelas causadas por suas enfermidades fizeram-no aproximar-se da religiosidade.
Essa descoberta da espiritualidade acontece num momento em que sua trajetória de compositor atinge o ponto máximo de sua força criativa, combinando muita inspiração com um domínio absoluto da técnica.
Handel compôs o Messias numa só arrancada, readaptando eventualmente trechos de outras obras. Levou apenas vinte e quatro dias. Durante o trabalho chegava a se esquecer de comer. Sua concentração era intensa. Conta-se que, um dia, um criado o encontrou chorando e o ouviu dizer: “Julguei ver diante de mim o Paraíso e até o próprio Deus”. Naquele exato instante, Handel havia acabado de escrever o coro Hallelujah.
Terminou a partutura – conforme anotou na capa, ao lado da sigla S.G.P. (Soli Deo Gloria), em 14 de setembro de 1741.
Handel não mais se sentia a vontade em Londres. Após 30 anos, passara a ser
Hostilizado talvez porque sua época, a da primazia da ópera de modelo italiano, havia terminado. Assim, aceitou o convite do Lorde-Tenente irlandês William Cavendish para mudar-se para Dublin, dirigindo um concerto beneficente logo em sua chegada. Comovido com a carinhosa recepção dos irlandeses, Handel tirou da bagagem a partitura inédita de O Messias, que assim foi executada pela primeira vez em Deblin, em 13 de abril de 1742, no Neal’s Music Hall.
Embora a capacidade da sala fosse de cem lugares, havia lá dentro pouco mais de setecentos espectadores, fora a enorme multidão que se acotovelava diante do teatro na Fishamble Street. Foi um grande aglomeração sem precedentes, tão grande a ponto de se comentar que Handel voltaria a escrever óperas, algo que jamais se concretizou.
Em 23 de março de 1743, O Messias foi apresentado em Londres diante do Rei Jorge II, o qual, emocionado pela beleza do Hallelujah, pôs-se de pé em sinal de respeito, gerando uma tradição que se manteve por muitos anos.
Quando recebeu as felicitações pelo grande sucesso de seu oratório, Handel respondeu, com os olhos postos no futuro: “ Lamentaria se soubesse que apenas diverti o público. O que eu queria era torna-lo melhor”.
Sergio Casoy
(Pesquisador de música lírica e professor conferencista da História da Ópera na ECA/USP)
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quarta-feira, 5 de novembro de 2008
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Um comentário:
Sim, provavelmente por isso e
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