quinta-feira, 30 de abril de 2009

Crítica ou Observações? - Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz na Sala São Paulo

No início desta semana, dias 27 e 28 de abril, a Sociedade Cultura Artística de São Paulo abriu a temporada 2009 com a Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz interpretada pela Orchestre Des Champs-Élisées dirigida pelo Maestro Philippe Herreweghe, regente titular, em concerto realizado na Sala São Paulo.
Tido com um dos mais importantes regentes da atualidade Philippe Herreweghe deixou claro porque ocupa este lugar. Com segurança e domínio dirigiu a orquestra de maneira impecável e conferiu personalidade a sua bela interpretação. Desnecessário dizer que para alcançar o resultado apresentado a qualidade dos músicos é mister.
O concerto foi apresentado em uma linguagem contemporânea utilizando três telões instalados acima da orquestra cujas imagens contracenavam com os seis atores no palco.
De igual qualidade eram os atores e os solistas, com destaque para o Tenor Robert Getchell que, possuidor de um timbre singular, já nas primeiras notas inundou a sala com sua capacidade vocal e interpretativa. Não menos merecedor de destaque foi o ator Marcial di Fonzo Bo, argentino que foi a França estudar e atualmente é considerado “uma estrela em ascensão no cenário teatral francês”. Destaca-los não desmerece o trabalho do barítono Pierre-Yves Pruvot, que se apresentou com competência assim como as atrizes que confirmaram a interpretação de origem francesa do espetáculo em uma atuação cheia de sensualidade.
Também o grupo de cantores brasileiros, intitulado Coro São Paulo, teve impecável atuação, embora não seja um corpo estável, a Maestrina Naomi Munakata demonstrou ser especialista em reunir competências para concertos como estes. O grupo, segundo informações de cantores que participaram do concerto, foi muito elogiado por Phillipe Herrreweghe que disse ter ficado impressionado com a qualidade dos cantores.
A obra foi apresentada em sua íntegra, ou seja, com a apresentação de “Lélio, ou o Retorno a Vida” logo após a apresentação da Sinfonia Fantástica. Este formato foi determinado pelo próprio Berlioz que também deixou instruções para a disposição da orquestra e coral, o que não foi possível por não ser o espaço um teatro e sim uma sala de concertos, no entanto o recurso de luz utilizado, embora não proporcionasse o mesmo efeito de uma cortina, criou um efeito interessante.
Efetivamente um grandioso espetáculo que proporcionou aos que estavam preparados para vê-lo com um olhar adequado, uma singular demonstração de competências e foi exatamente neste ponto que vi todo meu deslumbramento pelo espetáculo ser profundamente incomodado por pessoas que de alguma maneira não estavam preparadas para assisti-lo, não só por conta da extensão do programa, mas também, e ouso dizer principalmente, porque não tinham suporte cultural (ou acadêmico) para entender a proposta interpretativa apresentada.
A sociedade de Cultura Artística é uma instituição de valor inquestionável. Os mais importantes concertos que acontecem no Brasil são sediados pela cidade de São Paulo graças à competência administrativa e responsabilidade social de associados e colaboradores desta importantíssima instituição cultural, no entanto, é fácil observar que os concertos promovidos pela Cultura Artística é tido por aqueles que os freqüentam mais como um evento social do que artístico. Não sei dizer qual o número de associados que freqüentam tais concertos, o que posso dizer é que certos comentários que ouvi e certas atitudes, principalmente na segunda parte do concerto, demonstram que muitas pessoas que ali estavam não sabiam o que iriam ver e/ou não entenderam o que estavam vendo.
Não pretendo aqui interpretar a proposta cenográfica e de vídeos de Jean-Philippe Clarac e Olivier Deloeuil, que ao final da sinfonia faz com que quatro atrizes se desnudem no palco. Fica claro que não é possível entendimento do porque da cena se quem a vê só construiu capacitação intelectual para interpretar o nu e a sexualidade como vergonhoso e imoral. Se a nós interessasse discutir o porquê de tal postura teríamos que investigar inúmeros fatores e se nos aplicássemos nesta tarefa certamente teríamos explicações que nos deixariam menos incomodados. Mas como explicar a constante movimentação de pessoas saindo da sala de concertos em meio à segunda parte. Talvez ignorância sobre quais comportamentos são adequados em uma sala de concertos, talvez compromissos, talvez “saco cheio”, não importa o motivo, o que salta aos olhos é que as pessoas que assim procederam não tinham idéia do que iriam assistir. Poderiam estar interessados em sair um pouco de casa, em “fazer social” com amigos e parentes, em promover um motivo para jantar fora, poderiam estar interessados em impressionar alguém, promover “status” cultural ou mesmo penso que existiam também aqueles que tratam a possibilidade de ver concertos internacionais da mesma maneira que tratam qualquer coisa que seu dinheiro pode comprar , seja qual for o motivo que os fizeram sair da sala em meio a segunda parte do concerto incomodando àqueles que ali estavam porque estavam interessados no que o espaço se propõe, seja qual for o motivo isto só pode ser traduzido por uma expressão, falta de educação.
Escrevi em um dos meus textos em momento de reflexão sobre a música uma frase que pode bem traduzir o que senti naquele momento “a arte depende do capital para sobreviver, mas infelizmente a recípocra não é verdadeira”. Neste sentido o discurso de "Lélio" era impressionantemente adequado, lamentável é que os que precisavam conscientizar-se do seu conteúdo não entendiam sua fala.

Ricardo Barbosa

Nenhum comentário: