Tido com um dos mais importantes regentes da atualidade Philippe Herreweghe deixou claro porque ocupa este lugar. Com segurança e domínio dirigiu a orquestra de maneira impecável e conferiu personalidade a sua bela interpretação. Desnecessário dizer que para alcançar o resultado apresentado a qualidade dos músicos é mister.
O concerto foi apresentado em uma linguagem contemporânea utilizando três telões instalados acima da orquestra cujas imagens contracenavam com os seis atores no palco.
De igual qualidade eram os atores e os solistas, com destaque para o Tenor Robert Getchell que, possuidor de um timbre singular, já nas primeiras notas inundou a sala com sua capacidade vocal e interpretativa. Não menos merecedor de destaque foi o ator Marcial di Fonzo Bo, argentino que foi a França estudar e atualmente é considerado “uma estrela em ascensão no cenário teatral francês”. Destaca-los não desmerece o trabalho do barítono Pierre-Yves Pruvot, que se apresentou com competência assim como as atrizes que confirmaram a interpretação de origem francesa do espetáculo em uma atuação cheia de sensualidade.
Também o grupo de cantores brasileiros, intitulado Coro São Paulo, teve impecável atuação, embora não seja um corpo estável, a Maestrina Naomi Munakata demonstrou ser especialista em reunir competências para concertos como estes. O grupo, segundo informações de cantores que participaram do concerto, foi muito elogiado por Phillipe Herrreweghe que disse ter ficado impressionado com a qualidade dos cantores.
A obra foi apresentada em sua íntegra, ou seja, com a apresentação de “Lélio, ou o Retorno a Vida” logo após a apresentação da Sinfonia Fantástica. Este formato foi determinado pelo próprio Berlioz que também deixou instruções para a disposição da orquestra e coral, o que não foi possível por não ser o espaço um teatro e sim uma sala de concertos, no entanto o recurso de luz utilizado, embora não proporcionasse o mesmo efeito de uma cortina, criou um efeito interessante.
Efetivamente um grandioso espetáculo que proporcionou aos que estavam preparados para vê-lo com um olhar adequado, uma singular demonstração de competências e foi exatamente neste ponto que vi todo meu deslumbramento pelo espetáculo ser profundamente incomodado por pessoas que de alguma maneira não estavam preparadas para assisti-lo, não só por conta da extensão do programa, mas também, e ouso dizer principalmente, porque não tinham suporte cultural (ou acadêmico) para entender a proposta interpretativa apresentada.
A sociedade de Cultura Artística é uma instituição de valor inquestionável. Os mais importantes concertos que acontecem no Brasil são sediados pela cidade de São Paulo graças à competência administrativa e responsabilidade social de associados e colaboradores desta importantíssima instituição cultural, no entanto, é fácil observar que os concertos promovidos pela Cultura Artística é tido por aqueles que os freqüentam mais como um evento social do que artístico. Não sei dizer qual o número de associados que freqüentam tais concertos, o que posso dizer é que certos comentários que ouvi e certas atitudes, principalmente na segunda parte do concerto, demonstram que muitas pessoas que ali estavam não sabiam o que iriam ver e/ou não entenderam o que estavam vendo.
Não pretendo aqui interpretar a proposta cenográfica e de vídeos de Jean-Philippe Clarac e Olivier Deloeuil, que ao final da sinfonia faz com que quatro atrizes se desnudem no palco. Fica claro que não é possível entendimento do porque da cena se quem a vê só construiu capacitação intelectual para interpretar o nu e a sexualidade como vergonhoso e imoral. Se a nós interessasse discutir o porquê de tal postura teríamos que investigar inúmeros fatores e se nos aplicássemos nesta tarefa certamente teríamos explicações que nos deixariam menos incomodados. Mas como explicar a constante movimentação de pessoas saindo da sala de concertos em meio à segunda parte. Talvez ignorância sobre quais comportamentos são adequados em uma sala de concertos, talvez compromissos, talvez “saco cheio”, não importa o motivo, o que salta aos olhos é que as pessoas que assim procederam não tinham idéia do que iriam assistir. Poderiam estar interessados em sair um pouco de casa, em “fazer social” com amigos e parentes, em promover um motivo para jantar fora, poderiam estar interessados em impressionar alguém, promover “status” cultural ou mesmo penso que existiam também aqueles que tratam a possibilidade de ver concertos internacionais da mesma maneira que tratam qualquer coisa que seu dinheiro pode comprar , seja qual for o motivo que os fizeram sair da sala em meio a segunda parte do concerto incomodando àqueles que ali estavam porque estavam interessados no que o espaço se propõe, seja qual for o motivo isto só pode ser traduzido por uma expressão, falta de educação.
Escrevi em um dos meus textos em momento de reflexão sobre a música uma frase que pode bem traduzir o que senti naquele momento “a arte depende do capital para sobreviver, mas infelizmente a recípocra não é verdadeira”. Neste sentido o discurso de "Lélio" era impressionantemente adequado, lamentável é que os que precisavam conscientizar-se do seu conteúdo não entendiam sua fala.
Ricardo Barbosa
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