terça-feira, 16 de novembro de 2010

Golijov: puro marketing


Sempre fui a favor de contaminações, hibridismos e misturas entre erudito e popular. Mas há limites para a brincadeira. O compositor argentino Osvaldo Golijov claramente ultrapassou tais limites. E quais seriam eles? Simples: qualidade musical. Só isso. Como o público da Sala São Paulo e os ouvintes da Rádio Cultura FM puderam comprovar, a música de Golijov, no melhor dos casos, não passa de uma simplória tentativa de fazer música popular com efetivos instrumentais típicos da chamada música erudita.

Pior ainda: nesta ânsia de abarcar todos os mundos musicais, Golijov ultrapassa o nível do nacionalismo óbvio, que seria vestir com pomposas orquestrações ritmos e melodias populares. Nem isso ele faz. Só coloca, lado a lado, as duas linguagens. Quem assistiu a seu Concerto para Violoncelo, Azul ficou certo disso: são três blocos: o primeiro, eruditizante; um segundo popular até a medula; e o terceiro de novo eruditizante. Mas nada há de comum entre eles. Não dá sequer para chamar aquilo de concerto.

Trocando em miúdos: Golijov tenta fazer música popular como Piazzolla ou Tom Jobim fizeram. Só que o que sai de sua pena é música popular rala, rala – numa palavra, requentada. Melhor ouvir os originais ou mesmo os que hoje fazem música popular de verdade.

Do lado erudito os problemas de Golijov não são menores. Escorado no ambiente norte-americano muito propício a pastiches das linguagens musicais do século XIX, ele também não consegue escrever música que chegue perto da de um John Adams, para ficar num só exemplo.

Não acredito que lhe tenham dito, mas teria sido muito interessante Golijov levar em sua frasqueira portenha, de volta para os EUA, algumas ou todas as partituras e gravações disponíveis das obras de um gaúcho chamado Radamés Gnattali, que tão bem soube fundir as duas linguagens, sem marteladas, de modo orgânico.

Marketing

Vocês podem estar pensando: puxa, como o Golijov é ingênuo. Nada disso. Quem assistiu a seu encontro com o público na Sala São Paulo saiu com a nítida impressão de que o argentino armou uma bela jogada de marketing para vender aos incautos europeus e norte-americanos uma música requentada que os latino-americanos rejeitariam sem pestanejar. Aliás, nisso ele segue uma receitinha pra lá de secular: o exotismo. Nada como colocar maracas, pandeiros, bandoneóns e instrumentos de percussão não-europeus para seduzir qualquer latitude acima do equador.

Afinal, os nacionalismos em música nasceram e floresceram justamente a partir desta equação: vendia-se o exótico dos trópicos e das lonjuras ignoradas pelos europeus, que por sua vez apropriavam-se dos gongos balineses como das cuícas brasileiras como insumos de uma nova música dita “culta”.

Talvez eu esteja exagerando. Pode ser. Mas o fato é que, como eu, 99% das pessoas que assistiram aos concertos de Golijov ou ouviram sua música pelo rádio ficaram com este sentimento de decepção. Então, o sopro novo que embala a música contemporânea é isso? Alex Ross, o respeitadíssimo crítico da revista The New Yorker e autor de O resto é ruído (Cia. das Letras), sobre a música do século XX, embarcou nesta canoa. Ele aposta, no livro citado, que a saída para a música contemporânea é este tipo de mistura que Golijov faz. Pode ser um belo fecho para seu de resto excepcional livro – mas o tipo de música em que se apoia simplesmente não funciona. É ralo, déja vu, gasto (perdoem a irritação deste velho, insignificante e nativo jornalista diante da música e dos argumentos de sumidades como Golijov ou Ross).



Revista Concerto
Por João Marcos Coelho

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