quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os muitos e modernos caminhos da música

Ro­drigo Cic­chelli Vel­loso

Com­po­sitor, Ro­drigo Cic­chelli Vel­loso é do­cente da EM e atu­al­mente também produz e apre­senta “Ele­tro­a­cús­ticas” – pro­grama que vai ao ar às quartas-feiras, à meia-noite, na Rádio MEC FM (98,9 MHz). Ao Le­o­poldo, apre­sentou um pa­no­rama dos ca­mi­nhos per­cor­ridos e do de­bate ainda pre­sente quando o tema é a mú­sica in­ti­tu­lada mo­derna.
 Qual a origem e as prin­ci­pais ca­rac­te­rís­ticas da mú­sica mo­derna?
A mú­sica que surge na se­gunda me­tade do sé­culo pas­sado foi pro­fun­da­mente mar­cada por um grande ím­peto van­guar­dista e por uma cres­cente frag­men­tação es­té­tica. Não se pode, por­tanto, falar em um único “mo­vi­mento”, mas em vá­rias es­colas de pen­sa­mento con­tras­tantes, por vezes an­tagô­nicas. A ci­dade alemã de Darms­tadt, onde um fer­vi­lhante curso de verão reunia a nata da mú­sica nova do pós-guerra, foi ine­ga­vel­mente o prin­cipal polo de ges­tação e di­fusão das ideias e téc­nicas com­po­si­ci­o­nais que mar­caram a van­guarda in­ter­na­ci­onal. Em li­nhas ge­rais, diria que os traços mais mar­cantes são a busca da con­so­li­dação de mé­todos com­po­si­ci­o­nais pós-to­nais. A via se­rial talvez tenha sido a mais in­flu­ente e do­mi­nante. O uso de tec­no­lo­gias ele­tro­e­le­trô­nicas também tem des­taque a partir do final dos anos 1940, bem como as ino­va­ções em no­tação e as téc­nicas ins­tru­men­tais es­ten­didas. Mas é pre­ciso com­pre­ender estas e ou­tras no­vi­dades téc­nicas como o re­sul­tado de po­si­ci­o­na­mentos es­té­ticos muitas vezes di­ver­gentes.
 Pode apre­sentar um pa­no­rama das prin­ci­pais cor­rentes do pe­ríodo?
Olhando a uma dis­tância de mais de 50 anos, eu des­ta­caria: a Ge­ração de Darms­tadt, com Stockhausen, Boulez, Berio e muitos ou­tros, que se no­ta­bi­li­zaram pela ge­ne­ra­li­zação do prin­cípio se­rial, seja na pro­dução de mú­sica ins­tru­mental ou ele­trô­nica; o ad­vento da mu­sique concrète (em 1948), cri­ação do com­po­sitor e pes­qui­sador francês Pi­erre Scha­effer, de pro­fundo im­pacto e con­sequên­cias, não só para o fazer mu­sical, mas também por co­locar em questão e es­tender o pró­prio con­ceito de es­cuta e do que é um som mu­sical; e o ex­pe­ri­men­ta­lismo norte-ame­ri­cano, tão bem sin­te­ti­zado pela fi­gura de John Cage, que in­cor­porou ao te­cido com­po­si­ci­onal o acaso e a in­de­ter­mi­nação, co­lo­cando em xeque a noção do que é mú­sica. Houve di­versos des­do­bra­mentos destas “ma­trizes” prin­ci­pais (muitas vezes como re­ação a elas!), que de resto eram de certa forma an­tagô­nicas. Com re­flexos ainda nos dias de hoje, eu cha­maria a atenção para o pós-se­ri­a­lismo, com des­taque para os com­po­si­tores da Nova Com­ple­xi­dade, a mú­sica al­go­rít­mica (de Xe­nakis ao vi­de­o­game!), as nu­me­rosas ra­mi­fi­ca­ções da mú­sica ele­tro­a­cús­tica, o mi­ni­ma­lismo, a mú­sica es­pec­tral, mul­ti­mídia... Houve também ten­dên­cias “res­tau­ra­doras”, mo­vi­mentos de re­to­mada da to­na­li­dade, ne­or­ro­mân­ticos, neo-isso, neo-aquilo... A lista é muito longa!
 No Brasil, quais os ca­mi­nhos e com­po­si­tores mais re­pre­sen­ta­tivos?
Aqui, onde já se com­punha mú­sica do­de­cafô­nica nos anos 1940, os anos 1950 foram mar­cados pela mu­dança de ori­en­tação dos com­po­si­tores li­gados ao Mú­sica Viva de Ko­ell­reutter, que foram pro­fun­da­mente in­flu­en­ci­ados pelas di­re­trizes do II Con­gresso In­ter­na­ci­onal de Com­po­si­tores e Crí­ticos Mu­si­cais re­a­li­zado em Praga, em 1948. Dentre elas, des­ta­camos a con­de­nação aos “ex­cessos ex­pe­ri­men­tais” e o in­cen­tivo a que os com­po­si­tores en­fa­ti­zassem suas cul­turas na­ci­o­nais. O na­ci­o­na­lismo, por­tanto, ganha novo ím­peto e se re­a­firma como ten­dência do­mi­nante aqui por muitos anos, pas­sando a perder força a partir dos anos 1980, com o de­sa­pa­re­ci­mento pau­la­tino de seus prin­ci­pais re­pre­sen­tantes. Ini­ci­a­tivas de re­no­vação e van­guarda vão pi­pocar aqui e ali, com o pes­soal do Mú­sica Nova de São Paulo, as ge­ra­ções que surgem a partir dos anos 1960, o Grupo de Com­po­si­tores da Bahia, muitos em in­ter­câmbio com o que se fazia fora do Brasil. Im­pos­sível des­tacar apenas al­guns nomes! Mas, para não deixar a per­gunta in­tei­ra­mente sem res­posta, men­ci­o­nemos Jocy de Oli­veira e Jorge An­tunes – que ce­le­bram em 2011 cin­quenta anos de pro­dução mu­sical com re­cursos ele­tro­a­cús­ticos e se in­serem nas ten­dên­cias de cunho mais re­no­vador do es­pectro mu­sical.
 Qual a im­por­tância da mú­sica mo­derna?
Mas de qual mú­sica mo­derna es­tamos fa­lando? A ad­je­ti­vação nos faz ga­nhar em pre­cisão con­cei­tual (mú­sica es­to­cás­tica não é mú­sica se­rial, que não é con­creta, sendo todas elas mo­dernas), tor­nando o ob­jeto mais dis­tante, par­ti­cu­la­ri­zando-o num de­ter­mi­nado as­pecto. Mas esta também passa a ser uma outra mú­sica, num mundo em que a noção do que seja ela se frag­mentou. Assim, as mú­sicas mo­dernas são, ao mesmo tempo, um fenô­meno his­tó­rico e con­tem­po­râneo, assim como as mú­sicas an­tigas, com seus mo­vi­mentos de re­no­vação ins­tru­mental. A volta ao pas­sado não deixa de ser, pa­ra­do­xal­mente, uma re­no­vação em re­lação ao que se fazia ainda há pouco. E, no li­mite, como já apontou Nor­bert Elias, o tempo não existe em si. As mú­sicas serão mo­dernas se es­ti­verem sendo feitas agora e se ti­verem a ca­pa­ci­dade de in­flu­en­ciar as novas ge­ra­ções de com­po­si­tores, a quem ca­berá atri­buir a estas mú­sicas a sua im­por­tância.
Maria Celina Machado    

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