terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Uma conversa com Ferreira Gullar: mais de 80 anos de poesia, política e arte.

Ferreira Gullar

O Prêmio Jabuti, que mudou de regras esse ano – não há mais 3 finalistas para cada categoria – já tem os vencedores de 2011 para cada uma das 29 categorias. Em Alguma Parte Alguma,  publicado ano passado, por Ferreira Gullar, ganhou o Prêmio na categoria poesia. José Castello ganhou o Prêmio Jabuti de melhor romance com seu livro Ribamar.
Conversamos com Ferreira Gullar, em sua casa, uma ano atrás, pouco antes do aguardado lançamento do livro Em Alguma Parte Alguma, pela José Olympio, quando ele acabava de completar 80 anos. Ele nos recebeu na penumbra de seu apartamento em Copacabana, onde não é poupado dos barulhos externos. Contente com todo esse reconhecimento? com o Prêmio Camões? – pergunto. Feliz, sem dúvida, mas ainda surpreso, espantado com tanto assédio da mídia: “Não aguento mais dar entrevistas! É uma atrás da outra, esta será a última. Acho uma overexposição, eu quero sim, é que leiam a minha poesia”, brada um Gullar, um tanto cansado, mal humorado. Como bem disse na Flip, ele sempre remou contra a maré. Apesar disso, arrebatou a plateia de Paraty, ao narrar com humor, sua trajetória de percalços, onde a produção artística caminhou lado a lado com a política.
Incomodado com o gato que acabara de ganhar de presente de Adriana Calcanhoto – o bichano demanda ração especial e não aceita a que ele comprou no bairro -, aos poucos, o poeta vai se animando: “Ela quis ser gentil, eu contei que meu gato morreu, e a Adriana apareceu com esse filhote aqui, também siamês. Mas ela me arrumou um problema, sabe!”.
Nesse vídeo, ele nos fala da sua estreita relação com a arte e aponta com apreço quadros de artistas amigos que ornam as paredes de uma sala bagunçada de literatura e arte. O poeta já desejou ser pintor e tem se dedicado a fazer colagens de papel; ele nos mostra o boneco de outro livro inédito, de colagens de bichos, Zoologia bizarra, que sairá pela Casa da Palavra.
“Rilke, Elliot, Rimbaud, Mallarmé, Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Camões, Castro Alves, Olavo Bilac, tem poetas que eu leio e releio a obra toda, não me canso… É um mundo muito rico!”, festeja um Gullar, que na infância chegou a pensar que poesia era coisa de gente morta. Claro que as pessoas lêem poesia, senão meus livros não venderiam. O livro Toda Poesia está na décima nona edição, os outros estão em décima quinta, décima quarta… ” exclama.
Entre um livro e outro são sempre muitos anos, o que não quer dizer que o poeta não escreve no meio tempo em que fica sem publicar. “A luta corporal foi uma aventura que nasceu de um ideal poético, impossível de atingir. O resultado é que a linguagem foi levada ao limite, implodiu. Todo livro meu é uma aventura que vai se concretizando a medida que eu faço, refaço, critico, edito”. A poesia concreta é uma experiência ultrapassada; a rigor, nunca me considerei um poeta concreto, como os irmãos Campos.  De lá eu fui para a poesia neoconcreta que veio dar depois no Poema Sujo e nos poemas de hoje”, considera. Na Flip, ele disse que fez Poema Sujo porque as pessoas estavam desaparecendo na ditadura e ele tinha medo de morrer. “Quis deixar algo em meu nome e no daqueles que sumiam, de repente.“ Gravado numa fita, o libelo foi trazido pelo poetinha Vinicius de Morais que o fez circular pelo país. Ícone, virou quase um hino dos anos de chumbo. O novo livro só tem poesias inéditas, mas carrega nos traços os versos dessa trajetória. “Não me sinto com 80 anos!”
Mona Dorf

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