Quando da abertura das Olimpíadas deste ano, a bandeira
olímpica foi solenemente carregada por oito pessoas, que se destacaram por sua
luta pela preservação da harmonia dos povos e do meio ambiente. Entre as oito
pessoas estava a brasileira Marina Silva por sua luta pela preservação das
florestas (ou o que sobra delas) brasileiras. Perto dela, estava o maestro
Daniel Barenboim. Notável maestro e pianista é um dos músicos mais conhecidos
do planeta, e estava ali como reconhecimento de sua luta (um tanto quanto
inglória) pela união de árabes e judeus. O comentarista da televisão
brasileira, um renomado crítico de cinema, encarregado de narrar e explicar a
cerimônia, simplesmente não fazia ideia de quem era “aquele senhor” que estava
junto a Marina Silva. Esta ignorância em relação à música erudita é uma
constante no nosso meio intelectual. Não se trata só de uma questão de gosto.
Trata-se de uma questão de cultura geral. Exemplos do que digo? Vejamos alguns
exemplos. É difícil se conseguir uma visão completa do surgimento do estilo
gótico sem conhecer a música de Leonin (padre e compositor francês que viveu de
1135 a 1201). E é difícil se compreender a amplitude dos ideais da Revolução
Francesa sem conhecer a obra de Beethoven. E como podemos aquilatar a importância
da Semana de Arte de 22 sem conhecermos as obras que Villa-Lobos apresentou
naquele evento? Nestas horas tenho muita saudade de Paulo Francis, um
jornalista extremamente culto, com quem tive uma acalorada conversa nos
intervalos da ópera “Os Troianos” de Berlioz em Nova Iorque.
Esta displicência a respeito da música erudita é talvez a
razão de a estreia da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo no Proms de
Londres, um evento extremamente importante para nossa cultura, motivo de
orgulho para todos os brasileiros, ter sido tão pouco comentada em nosso país.
Primeiramente o que é o Proms? O Proms é o maior festival de
musica erudita do mundo. É chamado também de o mais “democrático” Festival do
gênero. Foi fundado em 1895, dura oito semanas, de julho a setembro, e acontece
na maioria das vezes no Royal Albert Hall, um auditório extremamente versátil,
que comporta 5.544 espectadores. Ele é produzido pela BBC, e apesar da
propalada “crise europeia” custa aos cofres públicos ingleses alguns milhões de
libras. Neste festival tocam regularmente as maiores orquestras do mundo, como
a Orquestra Filarmônica de Berlim, a Orquestra do Concertgebow de Amsterdã, sem
falar nas excelentes orquestras inglesas, como a Orquestra Sinfônica de
Londres, a Orquestra Sinfônica da BBC, e inúmeros outros conjuntos musicais de
diversos estilos. Além das renomadas orquestras, atuam também os mais famosos
maestros e solistas da atualidade. O repertório vai desde obras escritas no
século XVII até composições do século XXI (sim, elas existem). Espetáculo à
parte do Proms é seu público. Apesar de extremamente numeroso o publico do
Proms é excepcionalmente silencioso (ai que diferença daqui) e atento. Vale
dizer que o setor de plateia do Royal Albert Hall não tem cadeiras. O público fica
em pé, e é capaz de acompanhar com atenção e silencio obras às vezes de difícil
apreensão e longas, como Sinfonias de Mahler e Bruckner, ou obras complicadas
como composições de Schoenberg ou Boulez.
O fato da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo,
conhecida internacionalmente como Orquestra Sinfônica de São Paulo, estar no
Proms equivale a uma medalha de ouro na olimpíada. Pela primeira vez uma
orquestra brasileira participa neste festival. Ela e sua maestrina, a americana
Marin Alsop, fizeram uma impecável apresentação no Proms no último dia 15. Pude
ouvir a apresentação através de um link da BBC que continua disponível. O
grande destaque da apresentação foi a execução do Momoprecoce de Heitor
Villa-Lobos , tendo como solista o mais famoso musico erudito brasileiro, o
pianista Nelson Freire. Aliás, as esparsas presenças do Brasil no Proms
aconteceram exatamente através de Villa-Lobos e Nelson Freire. Na última noite
do Proms em 2009 o maestro americano David Robertsosn dirigiu uma impecável
execução do Choros 10 “Rasga o Coração” de Villa Lobos ( que você pode assistir
no youtube) , e Nelson Freire já atuou como solista no Proms de 2010
(igualmente).
A excelência técnica da Osesp é prova de que quando se
investe de forma ampla e objetiva os resultados acabam acontecendo. O Estado de
São Paulo resolveu arcar com uma despesa enorme para fazer surgir este
organismo musical que se destaca internacionalmente. É um exemplo para o país
em geral, de que as verbas para cultura e educação deveriam de ser mais do que
simples “esmolas”. Nosso país é carente nestas áreas, e os salários de nossos
professores são, junto com a corrupção e a violência urbana, problemas dos mais
graves que temos. Quem sabe com mais verbas para a educação e para a cultura,
um dia o comentarista das olimpíadas não chame Daniel Barenboim de “aquele
senhor”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário