Crowdfunding gera US$ 2,7 bilhões e
se consolida como financiamento viável para cultura
O empreendedor Diego Reeberg tem uma meta ambiciosa: quer que
o seu site, o Catarse, viabilize o mesmo número de projetos da Lei Rouanet (que
tem um limite de 6,3 mil por ano). "Quero mostrar que é possível fazermos
mais do que uma lei de incentivo", diz.
Os
números ainda são bem mais modestos - o Catarse já financiou 520 projetos,
levantando um total de R$ 7,3 milhões -, mas Reeberg tem razões para apostar
alto. Um estudo recém divulgado pela consultoria Massolution mostrou que só em
2012 esse tipo de financiamento movimentou US$ 2,7 bilhões no mundo. E, em
2013, o total deve chegar a US$ 5,1 bilhões.
"Em 2011 estávamos
testando a ignição, depois a aceleração, e agora estamos mantendo o
crescimento. O Kickstarter (site
pioneiro em financiamentos coletivos) cresceu baseado em pequenos
projetos culturais e agora tem projetos milionários", diz Reeberg.
Há dois meses, o diretor Rob
Thomas resolveu ressuscitar a série Veronica Mars, extinta em 2007,
em forma de longa. Ele se reuniu com a protagonista Kristen Bell e, em vez de
esperar o interesse da indústria, apostou no financiamento coletivo no
Kickstarter. Quem doava poucos dólares tinha recompensas como ingressos para a
pré-estreia; quem estivesse disposto a gastar alguns milhares poderia nomear
personagens ou até fazer figuração no filme. Um mês depois ele atingiu a meta
inicial de US$ 2 milhões. O projeto continuou arrecadando: hoje a soma
ultrapassa US$ 5 milhões - o recorde da história do site.
"Se
você pensa que o crowdfunding apenas significa pequenas empresas que lançam
games e aparelhos, pense de novo. O crowdfunding emergiu como uma alternativa
viável para o financiamento público e privado", diz o estudo. Para Kevin
Kartaszewicz-Grell, diretor do Crowdfunding.org e líder da pesquisa, os
sistemas atuais de financiamento não estão em crise por si. Mas os artistas e
empreendedores são os primeiros a sofrer o impacto do racionamento de crédito -
e, por isso, as plataformas de financiamento coletivo estão conseguindo sucesso
em nichos.
Os
números do Brasil são pequenos perto da força que o modelo tem nos EUA e na
Europa. Mas Kartaszewicz-Grell é otimista. "A população da América Latina
tem as maiores taxas de adaptação ao comércio eletrônico, o que é essencial. E
há várias plataformas interessantes na região", analisa.
O Sibite foi o pioneiro no
País. Criado no final de 2009 (quando o Kickstarter engatinhava), o site já
financiou 56 projetos - entre eles o documentário Hélio Oiticica, que pediu R$ 50 mil e conseguiu R$ 64
mil (entre os prêmios para os doadores, havia até obras originais do artista).
O
Sibite hoje aposta no crossfunding: combina a doação do público com o
patrocínio de empresas. "Todas as maneiras de captação são válidas",
diz Bruno Beauchamps, produtor de cinema e um dos sócios do site. Em breve,
será lançado um novo modelo de captação, em que os investidores terão
participação nos lucros dos projetos. "No crowdfunding, você não depende
de um diretor de marketing ou de uma lei. Basta ter vontade do dono do projeto
para planejar e batalhar", diz Beauchamps.
A
cantora Gisele de Santi acaba de conseguir R$ 27 mil para a gravação de seu
segundo disco no Catarse (o primeiro foi gravado com verba da prefeitura de
Porto Alegre). "O crowdfunding é a forma do público decidir sem imposições
de mercado o que realmente quer consumir", diz.
Música e cinema lideram o
Catarse em número de projetos, mas a categoria mais bem-sucedida é a de
quadrinhos - 75% dos projetos atingem a meta inicial. O cartunista independente
Rafael Koff ajudou a engrossar a estatística: ele já lançou dois livros
financiados com a verba das doações e acaba de cadastrar o terceiro projeto no
site.Cuecas por Cima das Calças,
uma paródia sobre super-heróis, atingiu a meta de R$ 5 mil quatro dias depois
de entrar no site.
"Antes,
eu produzia e lançava livros sem editora", conta Koff. "Fazia
tiragens pequenas e vendia diretamente, mas era arriscado." Ele é um dos
que acreditam que o sistema já está substituindo o financiamento por leis ou
patrocínio.
Kartaszewicz-Grell
concorda: "Nos modelos tradicionais, os empreendedores são vetados com
métricas padronizadas como nível educacional, estado civil, profissão. E, em
algumas circunstâncias, isso impede o acesso ao capital". Para Rob Thomas,
que quebrou recordes no Kickstarter, o modelo não substitui nem revoluciona -
mas abre portas. "Para algo como Veronica Mars, com muitos fãs, eu acho
que esse é um novo caminho. Não haveria outra maneira deste filme ser
feito."
O Estado de São Paulo
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