A tradicional semana de concertos comemorativos está repleta
de novidades este ano. Entre elas uma missa de José Maurício Nunes Garcia que
há mais de um século não é executada.
Clássica e romântica, sacra e profana, erudita e popular,
cosmopolita ou nacionalista, a produção musical brasileira compreendida entre o
final do século XVIII e a primeira metade do XX é tema dos cincos concertos que
comemoram o 164º aniversário de fundação da Escola de Música (EM). De 13 a 17
de agosto, a série oferece uma oportunidade impar para o público apreciar um
painel, ao mesmo tempo abrangente e diversificado, de momentos fundamentais
dessa trajetória cultural que, “tendo início no outono do período colonial,
atravessa o Império, a República Velha e a Era Vargas para, finalmente,
alcançar ao que concebemos hoje como o Brasil moderno”, como lembra João Vidal,
diretor adjunto do setor artístico e um dos organizadores do evento.
Um enorme patrimônio musical forjado, faz questão de
acrescentar, em condições sociais e políticas “cambiantes”, mas que marca as
falas com que pensamos nosso passado e as formas como construímos nossas
identidades como povo e nação.
Os concertos, que ocorrem no Salão Leopoldo Miguez, sempre
às 19h, têm entrada franca e coincidem com a realização do III Simpósio de
Musicologia (leia matéria) promovido pelo Programa de Pós-graduação em Música
da UFRJ (PPGM). Os intérpretes serão alunos, técnicos e professores da Escola,
além de convidados. Entre estes, a Orquestra Acadêmica da Unesp, o soprano
Juliana Franco, o tenor André Vidal e o coral da Associação de Canto Coral.
Fundada em 13 de agosto de 1848, com o nome de Conservatório
de Imperial, a EM é a mais antiga instituição dedica ao ensino de música do
país, uma atividade até então restrita a cursos e professores
particulares. Tornou-se Instituto
Nacional de Musica em 1890 e foi, durante o Estado Novo, incorporada a então
Universidade do Brasil, como Escola Nacional de Música. A atual designação remonta a 1965, quando a
universidade passeou a se chamar UFRJ. Em 1980, mais um pioneirismo, implantou
o primeiro curso de pós-graduação em música do país.
Missa a Quatro
No concerto de abertura das comemorações, a Orquestra
Sinfônica da UFRJ (OSUFRJ) apresenta um repertório muito especial que inclui a
Abertura em ré maior, de Castro Lobo, cujo manuscrito se encontra no Museu da
Inconfidência em Ouro Preto; a Ave Regina Caelorum, de Lobo Mesquita,
reconstrução de Sérgio Magnani a partir de originais que estão no Museu da
Música de Mariana; O Vere Christe, da Coleção Curt Lange do Museu da
Inconfidência em Ouro Preto; e O Salutaris Hostia, de Marcos Portugal – obra
programada para homenagear os 250 anos de nascimento do compositor
luso-brasileiro.
Mas o destaque do programa é mesmo a Missa a Quatro Vozes,
CPM 11, de José Maurício Nunes Garcia, que a musicóloga Cleofe Person de
Mattos, maior estudiosa da obra do padre compositor, sugere ter sido criada
entre 1808 e 1809. O manuscrito se encontra na Biblioteca Alberto Nepomuceno
(BAN) da Escola de Música e faz parte da parte da Coleção Bento das Mercês,
antigo músico da Capela Imperial. Comprado pelo governo federal no final do
séc. XIX à sua sobrinha e herdeira, Gabriela Alves de Sousa, o acervo foi doado
ao então Instituto Nacional de Música.
“Leve, graciosa, com introduções longas e discreta tendência
ao virtuosismo, nos solos”, segundo Person de Mattos, que identificou ainda
“acentos seresteiros” em alguns dos seus solos de flauta, a missa ganhou edição
de Ernani Aguiar, que a regerá depois do silêncio de mais de um século.
− Obra praticamente inédita. Será a sua primeira audição
integral desde o século XIX, afirma com entusiasmo André Cardoso, diretor da
Escola e maestro que divide com Aguiar o comando da OSUFRJ.
O baixo instrumental foi reconstruído pelo compositor e
instrumentista da OSUFRJ Sérgio Di Sabbato. Os solistas serão os sopranos
Juliana Franco e Michele Menezes, além do tenor André Vidal. A apresentação
reunirá o Coro da Associação de Canto Coral, instituição fundada por Pearson de
Mattos que completa 70 anos, e o Coral da Escola de Música, ambos dirigidos
pela maestrina Valéria Matos, docente da EM.
Mais novidades
Os outros concertos da semana também estão cheios de atrações.
No dia 14, terça-feira, o Trio UFRJ apresenta obras que marcam, como aponta
Vidal, um momento “crítico” na música brasileira. O da “transição entre o
Romantismo tardio de feições europeias do fin-de-siècle e as manifestações mais
modernas de cunho nacionalista dos anos de 1920”, esclarece. No programa, peças
de Henrique Oswald, Francisco Braga e Francisco Mignone, sequência de autores
que assinalam essa trajetória.
No dia 15 o destaque é um aspecto muito próprio da cultura
brasileira: o entrelaçamento entre a música das ruas e a dos salões provocado
pela chegada, em março de 1808, da Família Real ao Rio — o que redefine o
panorama artístico da cidade. De uma forma como jamais concebível no continente
europeu, a cultura erudita da aristocracia interagiu com as práticas musicais
populares e produziu gerações de modinheiros, seresteiros, chorões e pianeiros.
Uma trajetória que vai desde Joaquim Manuel da Câmara,
primeiro autor popular a ter um tema aproveitado em uma peça de concerto, até
Pixinguinha, momento em que a nascente indústria fonográfica passa a impactar a
criação popular. Entre eles, compositores como Carlos Gomes, Ernesto Nazareth,
Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos, João Pernambuco e Patapio Silva, entre outros.
Encerra a semana dois recitais dedicados a formações
musicais específicas. No dia 16, o Art Metal Quinteto apresenta a produção
brasileira para metais e, no dia seguinte, a Orquestra Acadêmica da Unesp, sob
a batuta de Lutero Rodrigues, executa obras de compositores do nosso romantismo
que na virada do século XIX para o XX, acompanhando tendências europeias,
redescobriram a orquestra de sopros. Entre eles, Alexandre Levy, Leopoldo
Miguez, Alberto Nepomuceno, Francisco Braga e Henrique Oswald.
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