Falta de patrocínio pode condenar grupo que existe desde
2003
Viola, violoncelo, violino e contrabaixo, instrumentos que
faziam parte da rotina de menores carentes, correm o risco de deixarem de
emitir notas musicais. Eles já serviram a cerca de 600 jovens que depositaram
no aprendizado da música a chance de mudarem de vida. Hoje, por falta de
patrocínio, a Orquestra Mirim, que funciona desde 2003, corre o risco de ser
extinta.
Para dar continuidade ao projeto que atende a crianças
necessitadas das comunidades Morro Azul (Flamengo), Tavares Bastos (Catete),
entre outras, é preciso patrocinadores. Já existe uma autorização para que seus
coordenadores captem até R$ 930 mil pela Lei Rouanet - isto é, com direito a incentivosfiscais
para os doadores.
Até o momento o máximo que o projeto obteve neste ano de
2012 foram R$ 100 mil,doados pela Cielo. O dinheiro, porém, está bloqueado no
banco. Por exigência das regras do Ministério da Cultura, ele só poderá ser
sacado caso se consiga um mínimo de 20% do valor autorizado. É a cota mínima
prevista pelo ministério para um projeto ser executado. Caso não se atinja aos
R$ 186 mil (20% de R$ 930 mil), os R$ 100 mil já depositados vão para um Fundo
de Cultura.
O projeto da Orquestra Mirim teve início em 2003, na cabeça
da maestrina e violoncelista Atelisa de
Salles. Sua expectativa é dar oportunidade a jovens carentes de aprender música
clássica. A proposta é despertar neles o potencial artístico, para um progresso
na qualidade de vida e bem-estar. “Nós sabemos que em algo modificamos a vida
deles”, constata Ana.
Atelisa espelhou-se no pai, o violinista Marcos Salles. “Ele
trabalhou no Liceu de Artes e Ofícios e criou grandes corais de 100 vozes,
cujos integrantes eram empregadas domésticas, pedreiros, na maioria
analfabetos. Para não pegar a condução cheia na volta para casa, as pessoas
assistiam às aulas do meu pai. Estes alunos foram alfabetizados com música”, lembra
a maestrina.
Também lhe serviu de exemplo um projeto parecido que
conheceu na Venezuela. Em sua volta ao Brasil, montou a orquestra. Desde então
conta com a ajuda da filha, a assistente social Ana Teresa Palhano de Jesus,
que desempenha o papel de coordenadora do grupo. A madrinha do projeto é a
atriz Malu Mader.
No início foram 30 crianças da comunidade da Tavares Bastos,
na faixa etária de 10 anos, que passaram a se reunir em uma sala cedida pelo
Instituto Metodista Bennett.
“Trabalhamos nove meses voluntariamente até conseguir o patrocínio da
Petrobras, em 2004. Daí colocamos outros professores, ampliamos o projeto e
chegamos a ter 80 alunos de diferentes comunidades. Os 30 melhores formam a
orquestra”, relembra Ana.
Artur Elias, de 12 anos, frequenta as aulas há tres anos e
acabou de ingressar na orquestra onde, pela terceira vez, ensaia com um
violoncelo. Morador do Morro Azul, diz que com as aulas de música também tem
conseguido se concentrar mais no aprendizado do colégio. "É uma grande
chance de estudar música clássica de graça e é preciso aproveitar, pois quando
não se pode pagar, parece que dá mais vontade ainda de aprender”, afirma.
Residente na comunidade da Tavares Bastos, no Catete, Tiago
Nascimento, de 19 anos, antigo no grupo, tornou-se monitor de viola com a falta
de professor. Segundo revela, o projeto ajuda aos alunos a aprender uma
profissão, acolhe as pessoas, expande a mente, educa: “Você sai daqui pensando
diferente”. Hoje ele estuda Educação
Física, mas diz que já pensa em uma faculdade de Música no futuro.
Davi Elias, de 18 anos, do Morro Azul, está no projeto desde
2007. "É um privilégio fazer essas aulas de graça e estar neste projeto.
Se eu não estivesse nele, daria aulas na rua, para ajudar outros jovens como
eu". Monitor de viola, quer continuar na música e diz que o patrocínio é
importante, para que outros meninos como ele tenham a mesma chance. “Depois do
projeto, as pessoas passaram a acreditar em mim”, complementa Davi.
Falta de patrocínio afeta as atividades
Após o primeiro ano, a Petrobras renovou por duas vezes o
patrocínio, mesmo sem incentivo fiscal.
“A empresa acredita que este tempo é o suficiente para que um projeto possa
arranjar outros colaboradores e patrocinadores. Em 2009, eles nos avisaram que
não seria possível renovar, pois o prazo já havia sido estendido por dois anos
além do que eles fazem”, argumenta Ana.
Por dois anos não houve qualquer patrocínio. Em 2011, Ana
recebeu uma ligação do presidente da Cielo informando do interesse em
patrocinar, mas desde que com incentivo fiscal.
No processo de busca por autorização para os incentivos
fiscais, ficou estipulado o valor de R$ 930 mil anuais. Mas, pelo entendimento
do Ministério da Cultura, são necessários pelo menos 20% deste valor para que o
projeto possa ir para a frente. Portanto, sem que se tenha captado os R$ 186
mil, nenhum valor será liberado. "Com os R$ 930 mil a Orquestra Mirim
funcionaria com 70 alunos, 10 professores, em força total", avalia a
coordenadora.
Em 2011, a Cielo doou os 20%. Além deles, o projeto obteve
mais R$ 65 mil da Petrobrás, por conta de uma "sobra de verba destinada à
parte da cultura”, explica Ana. Mas, em 2012, a Petrobras avisou que não terá
como patrocinar.
Há dois meses, uma ligação do responsável pela Cielo avisou
da liberação dos R$ 100 mil. O dinheiro foi depositado na última segunda (10),
mas está bloqueado, sem poder ser movimentado, até que os 20% estejam na conta.
"Precisamos conseguir mais R$ 100 mil”, arredonda Ana. Para obter os
recursos, ela tem uma cota de patrocínio - R$ 190 mil - e uma cota de apoio -
R$ 90 mil.
A missão parece árdua, mas Ana não esmorece: "Sou
brasileira e não desisto nunca. É difícil, por exemplo, procurar 100 empresas,
30 lhe responderem negativamente, as outras nem respostas dão. Normalmente
dizem: “apoiamos outros projetos, a verba está destinada a outras coisas, não
atuamos nesta área. Nos dois anos que ficamos sem patrocínio, chegamos a achar
que o projeto ia acabar. Eu disse para minha mãe que mesmo se fosse preciso começar
do zero, vamos lutar pela ideia”.
O projeto só pode ser patrocinado através de uma pessoa
jurídica. Para isto, foi aberta a ONG Associação Marcos Salles Orquestra para
Todos. Antes a verba do MinC era administrada por outra ONG, que cobrava 30% do
valor depositado.
Com a falta de dinheiro, as aulas de teoria e história
musical, canto e coral tiveram de ser interrompidas. Atualmente estão sendo
ministradas apenas práticas com os instrumentos. As inscrições estão suspensas
e o projeto tenta se manter como pode. Os monitores não estão sendo pagos e
quem ainda participa, o faz de forma voluntária. Mesmo assim, jovens das
comunidades do Morro Azul, no Flamengo, Tavares Bastos, no Catete, entre
outras, continuam investindo no projeto, que modificou a vida de alguns deles.
Durante um ensaio, a apresentação de um pout-pourri com
músicas populares. De repente, ouve-se os primeiros acordes da música Viva la
vida, da banda inglesa Coldplay. Logo se presencia risos e brincadeiras, que
cessam ao sinal da maestrina Atelisa, informando que eles começarão a tocar. É
neste clima que a Orquestra Mirim segue, mesmo diante dos problemas
enfrentados.
O contato da coordenadora da Orquestra Mirim é (21) 9967-0936 e o e-mail
anapalhanodejesus@ig.com.br
Pedro Rocha
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