Quarteto Radamés Gnattali
O lançamento em DVD e Blu-ray de A Integral dos Quartetos de
Cordas de Heitor Villa-Lobos pelo Quarteto Radamés Gnattali, do Rio de Janeiro,
é algo de tal importância, que por si só já mereceria um grande elogio. Mas os
motivos de festejarmos este lançamento vão bem além de seu ineditismo. O
cuidado na produção é tal que temos de nos deter em alguns detalhes, todos
fascinantes.
Além da altíssima qualidade musical do quarteto Radamés
Gnattali, as filmagens retratam cenários históricos do Rio de Janeiro, cidade
natal de nosso maior compositor. As filmagens foram feitas em três locais belos
e históricos: o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo brasileiro de 1897
até 1960 (foi lá que Getúlio Vargas se suicidou), o Palácio das Laranjeiras,
residência do governador do estado, e o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no
qual diversas obras de Villa-Lobos foram estreadas (único lugar em que a
administração cobrou, e muito, para ser utilizado nas filmagens) com destaque
para o belo pano de boca pintado por Eliseu Visconti.
Além dos três locais, vale a pena registrar o cuidado com as
vestimentas que o quarteto utiliza, de casacas a camisas com mangas arregaçadas
e trajes esportivos, e a precisa e ágil direção de câmeras.
As imagens nos ajudam a compreender o complexo tecido
contrapontístico das obras. O grande violonista, e ex-diretor do Museu
Villa-Lobos, Turíbio Santos, introduz de forma breve e precisa cada um dos
quartetos, utilizando partes do importante livro de Arnaldo Estrela. Vale
lembrar que não há no mercado internacional nenhuma integral de quartetos de
cordas, salvo de Beethoven, em DVD. Nenhum dos ciclos importantes do século 20
como os de Bartók ou Schoenberg, foram gravados nesta tecnologia. Se formos comparar
a execução destas gravações com os registros de áudio encontráveis no mercado
dos quartetos de Villa-Lobos, a vantagem do Quarteto Radamés Gnattali não está
apenas no fato de que existem imagens das execuções. As execuções aqui
comentadas são bem superiores às do Quarteto Danubius (selo Marco Polo) ou do
Quarteto Bessler-Reis (selo Le Chant Du Monde). A única gravação que rivaliza
com o quarteto carioca é a do mexicano Cuarteto Latinoamericano (selo Dorian).
O Quarteto Radamés Gnattali foi fundado em 2006. Vencedor do
13.º Prêmio Carlos Gomes, levou o repertório de câmera brasileiro às Américas
do Norte e do Sul, à Europa e à África. Eles mantêm trabalhos didáticos
extremamente interessantes, chamados “Projeto Tuhu” (o apelido de Villa-Lobos),
explorando páginas do “Guia Prático” de Villa-Lobos com fins didáticos em
escolas públicas não só do Rio, mas também no Norte, Nordeste e Centro-oeste do
país. Seus projetos em termos de gravações levam em conta o estímulo a
compositores brasileiros, que são sempre as estrelas de suas apresentações.
Os 17 quartetos de cordas de Villa-Lobos foram escritos de
1915 até 1957. Assim como as sinfonias do compositor, os quartetos são pouco
conhecidos do grande público. São obras com tendências bem variadas, mesmo
dentro de uma mesma obra. Páginas completamente atonais, especialmente no
“Quarteto N.º 9”, tem muitas vezes conclusões tonais. Villa-Lobos não tinha
compromisso com nenhuma escola e o nacionalismo só fica bem marcado nos
“Quartetos N.º 5” e “N.º 6”, o primeiro deles composto exatamente no início da
colaboração do compositor com o estado novo. Muito do fato dos quartetos não
serem obras populares é que fora estes dois e o “N.º1” , eles trazem uma visão
mais abstrata do nacionalismo. Tomemos o andamento lento do “Quarteto N.º 4”.
Um acompanhamento de três instrumentos dá espaço a um canto que parece ser uma
modinha altamente estilizada. O efeito é hipnótico. Aliás, este segundo
movimento do “Quarteto N.º 4” é a prova maior tanto da genialidade de
Villa-Lobos quanto da excelência do Quarteto Radamés Gnattali. É possível notar
a extraordinária musicalidade e entrosamento dos quatro instrumentistas ao ver
este genial canto passando por cada um dos instrumentos.
Villa-Lobos permanece em diversos aspectos um desconhecido dos
próprios brasileiros. Quem aqui conhece alguma de suas 11 sinfonias? E quem
conhece seus 17 quartetos de cordas? Este belo lançamento nos possibilita de
forma plena conhecer um dos mais fascinantes ciclos compostos pelo nosso músico
maior.
Maestro Osvaldo Colarusso
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