Yasuda, Uhlemann, Doh, Thorpe, Tartaglia, Apps, Petrutiu,
Sarudiansky, Kier, Cho, Coleman Milling, Suris, Yenque, Zúñiga, Chipoletti,
Pas, Sadi, Lepage, Del Grande, Dias, Paschoal, Grinberg, Barbosa, Rosa, Alves,
Lima, Dias, Sampaio, Silva... O que parece uma lista de convidados das Nações
Unidas é apenas uma pequena seleção entre os 115 integrantes de uma das mais
importantes orquestras brasileiras.
É natural para um grande conjunto sinfônico contemporâneo
ser um melting pot de nacionalidades, com grande mobilidade: um músico que toca
hoje em Paris pode daqui a alguns anos estar em Berlim, Nova York ou Melbourne.
No caso específico da Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo (Osesp), essa variedade tem ainda outras conotações. Apesar dos coloridos
sobrenomes, a maior parte de seus 115 músicos é mesmo de nacionalidade
brasileira – um testemunho de uma metrópole global, dentro de um país com cinco
séculos de sucessivas colonizações e ondas migratórias.
Afinal, nessa grande mistura, quem é brasileiro mesmo, quem
está radicado no país há décadas, quem acaba de chegar? É simples estabelecer
estatísticas; mas será que isso tem alguma relevância para o dia-a-dia e – mais
importante – para o rendimento artístico do conjunto sinfônico paulista?
Um aspecto com possíveis implicações musicais seria a
coexistência forçada de diferentes escolas instrumentais – italiana, russa,
belga, francesa, alemã, húngara, etc. –, cada uma com suas especificidades
técnicas, sonoras e interpretativas, tanto no plano individual quanto coletivo.
Falando à Deutsche Welle durante a primeira turnê europeia da orquestra sob sua
gestão, Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, exemplifica:
"Se você pegar, digamos, a Filarmônica de Viena, o indivíduo
entra porque ele já toca à moda de Viena, já foi formado naquela realidade. Na
Osesp, um músico entra porque é bom, tem competência, capacidade, boa formação.
Mas temos, por exemplo, um trombone baixo formado na Filadélfia, um primeiro
oboé formado na Academia da Filarmônica de Berlim, um primeiro trombone que
também estudou na Alemanha e um outro que estudou na Juilliard School, um
primeiro trompete que estudou em Montevidéu."
Lopes encara essa diversidade como um desafio que, bem
administrado, pode ser um valioso ponto distintivo para sua orquestra. "No
fundo, eu não sei se é possível projetar um resultado sonoro. A questão é mais
entender o que advém disso tudo e levá-lo para um lugar artisticamente
interessante. Com certeza, a Osesp tem uma identidade sonora muito mais
distinta do que a maioria das orquestras americanas. Eles têm lá uma escola
específica, um determinado padrão de eficiência, mas não têm tantas
particularidades quanto nós."
Babel harmoniosa
O violista Horácio Schaefer também vê essa pluralidade de
culturas musicais dentro da orquestra como um fator produtivo. Natural de São
Paulo, de família alemã, e integrante da Osesp há 13 anos, ele aponta o fato de
praticamente todos os instrumentistas de cordas brasileiros atuantes nela terem
se formado no exterior, estando, portanto, familiarizados com uma ou outra das
grandes escolas.
Além disso, as diferenças instrumentais não seriam tão
grandes assim, afirma, e onde elas se manifestam, os músicos aproveitam para
trocar experiências. "Sempre tem coisas bacanas que a gente vê o outro
fazendo, que ele vê a gente fazendo... Então, acho que é mais complementar do
que diferencial."
Quanto ao entendimento verbal, nessa Babel de
nacionalidades, Schaefer e alguns de seus colegas são unânimes: não há nem
sombra de dificuldade. Quando necessário, durante os ensaios a maior parte da
comunicação se dá mesmo no "esperanto" dos termos musicais italianos.
E o restante fica por conta do inglês, língua franca entre os numerosos
maestros convidados.
Nacional e global: um equilíbrio dinâmico
O diretor artístico Arthur Nestrovski descreve o complexo
equilíbrio entre o papel local e global da Osesp, entre sua identidade nacional
e a projeção internacional. "Cada vez mais tentamos pensar a Osesp como
uma orquestra não apenas brasileira. Claro que ela é uma orquestra brasileira,
de São Paulo – cada palavra dessas pesa. Mas nós gostaríamos que ela fosse
reconhecida hoje como a principal orquestra profissional da América
Latina."
O também músico, musicólogo e autor paulista, formado na
Inglaterra e nos Estados Unidos, considera que essa mensagem já chegou aos
círculos especializados. Provas recentes são tanto a aclamada turnê europeia –
passando por Londres, Wiesbaden e Amsterdã – quanto a aquisição – mutuamente prestigiosa
– da norte-americana Marin Alsop como regente titular.
"É fruto de 13 anos de trabalho, isso foi sendo
construído. Mas acho que houve um salto de qualidade nos últimos dois, três
anos, em termos de solistas, regentes e programação", ressalta Nestrovski.
Citando a onda de atenção internacional sobre o país e a atual força do real,
ele anuncia: "É um momento muito positivo. Nós queremos aproveitar isso
para consolidar a posição como orquestra número um do continente – não só com o
meio musical, mas, digamos, em termos mais amplos".
Bons salários, tempo para se conhecer
Entre muitos outros aspectos, uma meta artístico-empresarial
tão ambiciosa exige uma série de estratégias, como a meticulosa seleção do
repertório e das parcerias, um planejamento inteligente dos concertos e
gravações. Mas é também essencial adquirir os melhores instrumentistas
possíveis à disposição – não só entre os nacionais, mas no pool global dos
músicos de orquestra.
Respeitando a quota máxima de integrantes estrangeiros estipulada
pela lei brasileira, de 35%, atualmente a Osesp conta em seus quadros com cerca
de 40 profissionais de 14 nacionalidades diferentes, sublinha Marcelo Lopes. O
que, mais uma vez, remete à questão da unidade musical.
"A questão é, num dado momento, do ponto de vista
artístico, criar uma identidade sonora a partir disso tudo. Nossa estratégia
para alcançar esse fim tem sido muito tempo de ensaio – não há outra. Os
músicos têm que se conhecer, ir absorvendo as qualidades dos demais e criando
um jeito próprio de tocar, e isso demanda tempo."
Para um profissional dedicado, "muito ensaio" é,
em si, um argumento positivo, pois significa mais espaço para o aperfeiçoamento
individual e conjunto. Isso, o diretor executivo (que – fato raro - também atua
na orquestra como trompetista, desde 1984) entende como ninguém.
Por outro lado, o país se encontra fora dos grandes
circuitos de concertos europeu e norte-americano, reconhece Lopes. Essa
desvantagem, a Sinfônica de São Paulo procura compensar oferecendo salários
francamente competitivos, no contexto do mercado global.
Portas abertas
Boas condições materiais foram um argumento eloquente para o
violoncelista alemão Johannes Gramsch trocar seu posto numa orquestra europeia
pelos ares de São Paulo, nove anos atrás – embora, na época, a Osesp não lhe
fosse "nem um pouco conhecida", admite. Hoje, além de ser violoncelo
solista, ele integra o Quarteto de Cordas da Osesp, ao lado de Cláudio Cruz,
Emmanuele Baldini, e Horácio Schaefer.
Outras duas aquisições internacionais são a violinista
búlgara Irina Kodin e a flautista italiana Jessica Dalsant. Integrando a Osesp
há nove e sete anos, respectivamente, hoje elas falam português fluente. Ambas
foram atraídas a São Paulo, em primeiro lugar, pelas indicações de colegas
músicos.
Para Dalsant, dois fatores foram definitivos. Por um lado, o
alto nível artístico da Osesp – comparável ao das melhores orquestras de seu
país, afirma. Por outro, enquanto na Itália sua prática orquestral se
restringia muito ao repertório da ópera, a Osesp a confronta com um universo
musical muito mais amplo e instigante.
Paralelamente, a Osesp não negligencia a "prata da
casa". Vindo de família bastante humilde, o violinista Djavan Caetano deve
sua formação musical à academia da orquestra. Até há pouco, ele era um dos
poucos que nunca "estudaram fora". Agora, orgulhoso vencedor do
Concurso Nelson Freire – e seguindo o conselho pessoal do aclamado pianista – o
jovem paulista se encontra a caminho de um mestrado na capital austríaca.
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