segunda-feira, 30 de maio de 2011

Nova regente da Osesp diz que Sala São Paulo vai mudar muito

A Lockerman Bundy Elementary School é um prédio escuro de fachada sóbria, localizado em West Baltimore, subúrbio barra pesada no qual se passa a famosa série de TV "The Wire", que retrata o submundo das drogas de uma das cidades mais violentas dos EUA. A vizinhança é formada por casinhas bem verticais, de tijolo aparente, onde uma população de desocupados e sem teto se esparrama, de olho em quem passa pela rua.
O que destoa nesse edifício é um selo colorido, estampado acima do nome da escola, com o nome do projeto que a Baltimore Symphony Orchestra realiza no local. Orchkids (o título é uma brincadeira com o nome da flor) introduz cerca de 300 crianças ao mundo da música clássica. Sua inspiração é o projeto El Sistema, da Venezuela, de onde saiu o maestro-prodígio Gustavo Dudamel.
De carro, em menos de dez minutos se atravessa a cidade dali até a sede da orquestra de Baltimore, conduzida desde 2007 por Marin Alsop, 54. A norte-americana, nascida em Nova York, será, a partir de 2012, também regente titular da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), a princípio por cinco anos, em substituição ao francês Yan Pascal Tortelier.
Alsop é a principal maestrina hoje em atividade. Já foi regente da Bournemouth Symphony, da Inglaterra, e atua regularmente, como convidada, em orquestras que estão entre as principais do mundo, como a New York Philarmonic e a London Symphony, entre outras. O conjunto de Baltimore está entre os dez principais dos EUA.

A maestrina Marin Alsop prepara-se para reger a Osesp a partir de 2012 e começa a se arriscar no português
Nessa tarde de início de primavera no hemisfério norte, Alsop recebe Serafina para a entrevista. O local é o condomínio onde vive, a cinco quadras da sede da orquestra. Trata-se de uma antiga igreja desocupada. A cama de Marin está debaixo do principal vitral colorido da abadia. A nova maestrina da Osesp não gosta só de sons, mas também de cores.
Apesar de saber das diferenças de escala e população entre São Paulo e Baltimore, cidade de apenas 800 mil habitantes, Alsop acredita que é possível levar para o Brasil o mesmo conceito por trás do Orchkids e de outros projetos de inserção e acessibilidade.
"Bom dia" ainda são as poucas palavras que Alsop sabe falar em português, idioma que está aprendendo. A principal dificuldade: "A língua falada não soa como o que está escrito", revolta-se.
Por Skype, a regente tem conversado com o diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski, e o diretor executivo, Marcelo Lopes. A pauta das conversas inclui um ambicioso programa de gravações que deve ter início no ano que vem e as futuras viagens do conjunto. Alsop não dá detalhes, mas lança pistas do caminho que pretende seguir com a orquestra paulistana.
ESTILOS DIFERENTES
Diz que o principal objetivo é elevar a qualidade artística do grupo, mas quer mais. "É preciso que se saiba executar bem Prokofiev ou Strauss, mas também é necessário mostrar por que essa orquestra faz sentido, o que possui de único, o que pode seduzir por ser diferente. E esse elemento tem de ser a música brasileira." Apesar desta certeza, Alsop ainda está se iniciando na área. Conhece pouco e começou a ouvir com mais rigor recentemente. O que mais tem gostado, por ora, é de Camargo Guarnieri e Almeida Prado.
Seu interesse pelo assunto mostra que possui um estilo distinto de seu antecessor. Apesar de ter regido obras brasileiras, Tortelier conviveu com críticas por aparentar interessar-se pouco pelo repertório nacional. Já Alsop mostra-se naturalmente vocacionada a buscar esse elemento como um diferencial na orquestra que irá assumir, por pertencer a uma escola diferente e talvez mais moderna de maestros.
Outro dos objetivos é inserir a Osesp no circuito de prestígio de festivais e grandes salas de concerto. "Chego à Osesp com um contexto, pois estive nesses lugares, então posso abrir portas."
Sobre o convite para assumir o cargo, Alsop disse que se sentiu seduzida pelo entorno da orquestra. "As pessoas que estão ligadas a ela são muito inteligentes e agradáveis. Parecem homens da Renascença, que têm talento para várias coisas e vontade de investir em ideias novas." Alsop se refere a Nestrovski, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (presidente do conselho da Fundação Osesp) e ao editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras (que presidiu o comitê de busca pela nova regente).
Elogia a qualidade artística da Osesp, mas principalmente a recepção positiva dos músicos a propostas novas. "Eles reagem rápido. Gosto desse ambiente, diferente do que encontro em orquestras da Europa e dos EUA, onde muitas vezes vejo apenas apatia, até depressão. Na Osesp há possibilidade de fazer algo além do que já existe. Me agrada construir orquestras. Não só simplesmente chegar num lugar e reger."
Evita falar dos antecessores. Tortelier é conhecido em Baltimore, onde vem reger com frequência. De John Neschling ouviu falar apenas agora. Sabe que sua gestão foi problemática, mas esquiva-se de tratar do assunto. "Em alguns casos, é melhor chegar num lugar sem saber muito bem o que aconteceu antes."
Alsop virá ao Brasil em junho e em agosto para reger a Osesp, ainda como convidada. A estreia como titular será no primeiro concerto do calendário de 2012, no dia 8 de março,com um programa ainda a ser definido.

IGREJA
Alsop é disciplinada. Acorda todo dia às 5h, estuda e faz ginástica -faz questão de mostrar à reportagem os aparelhos em uma sala de sua casa-- e depois dedica-se à orquestra.
Nos EUA, tem duas casas. A do condomínio na igreja, e uma a 20 minutos dali, onde vivem a parceira Kristin Jurkscheit e o filho de ambas, Auden, 7. Na viagem que fará ao Brasil em agosto, trará a família, e pretende passar alguns dias na Amazônia com o garoto.


PRIMEIROS PASSOS
A música se impôs na vida de Alsop desde cedo. Filha de dois artistas da NYC Ballet Orchestra, começou tocando piano, aos 2. O violino chegou aos 6, e é o instrumento com o qual fez carreira acadêmica em Yale e na Juilliard School. A vontade de se tornar maestrina surgiu aos 9, quando assistiu a um concerto regido por Leonard Bernstein (1918-1990).
Passou a seguir o mestre, tornando-se anos depois sua aluna. Dele, diz que aprendeu que reger não é criar, mas sim tornar-se o veículo do compositor da obra. "Cada peça é uma narrativa e reger é fazer com que ela seja contada assim como o compositor a imaginou."
Conta que o aprendizado foi duro. "Não é como aprender um instrumento, pois você não tem o instrumento para praticar. Precisa de um grupo de pessoas."
Para ter certeza de que estava no caminho certo, Alsop, ainda adolescente, reunia amigos músicos para regê-los. Acabou virando uma orquestra informal, que durou muitos anos.


NOVA MÚSICA
Entusiasta da música contemporânea, Alsop chega neste ano à sua vigésima edição como diretora do Festival de Cabrillo, de San Francisco. "A música de nosso tempo é tão importante para refletir sobre ele como no passado aconteceu com a música de compositores famosos". E diz que, entre os novos compositores, seu preferido é Christopher Rouse. "Ele faz música dos extremos, muito alta quando é alta, muito silenciosa quando é silenciosa. O efeito que causa soa para mim como Beethoven deve ter soado em seu tempo."




SYLVIA COLOMBO
DE BALTIMORE

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