Sobre as mentiras de uma guerra santa: uma resposta cromática as tristes páginas amareladas da Revista Veja.
No último fim de semana a verdade e a decência sofreram um duro ataque. A revista Veja e o maestro e diretor artístico da OSB anunciavam a vitória na “primeira batalha de uma guerra santa contra a mediocridade, o corporativismo e pela excelência artística”. Se demitir 36 músicos da OSB pode ser considerado uma vitória e apelar para um mote doutrinário como “guerra santa” pode ser indicio de uma liderança sadia, construtiva e interessada no bem comum, está na hora de nossa sociedade refletir profundamente a respeito dos valores e ideais que defende. É impossível perceber vitória na destruição da vida profissional de 36 músicos que passaram as últimas décadas dedicados a manter viva exatamente esta instituição que os expele – para usar um termo empregado na entrevista – pela porta dos fundos, qualificando-os como medíocres, corporativistas e sem nenhuma excelência artística. É inaceitável que o primeiro “passo decisivo” seja aquele que esmaga a história e a respeitabilidade de uma orquestra criada há 70 anos e fruto de uma tradição e prática musical que remonta ao início do século XIX.
Este “passo decisivo” que se revela um desastre completo, só é possível de ser dado pelos que desconhecem as tradições que permeiam a nossa atividade presente. Este desconhecimento se manifesta nas perguntas elaboradas pela revista - “Qual pode ser o papel de uma orquestra num país como o Brasil, sem tradição na música clássica?” -, e nas respostas do incauto diretor: - “Há um abismo de séculos entre as orquestras europeias e americanas e as brasileiras”. Desconhece a história de seu país, desconhece as realizações e lutas de seus antepassados músicos que realizavam montagens de óperas de Verdi apenas meses depois de sua estreia na Itália; desconhece as sementes lançadas por Leopoldo Miguez e Carlos de Mesquita, que ainda no século XIX regiam Wagner, Mozart e Mendelssohn entre outros, em concertos sinfônicos.
Desconhece também o trabalho de seus músicos atuais. Pois ao apresentar como novidade um projeto que prevê apresentações de música de câmara e recitais individuais está indiretamente reconhecendo que desconhece o trabalho, por exemplo, do Quarteto da UFF, do Art Metal Quinteto, do Trio Aquarius, do Quarteto Raga e de tantos outros grupos formados por músicos da OSB e que há anos atuam no mercado nacional e internacional, com CDs lançados e inúmeros projetos realizados que deixaram profundas marcas na prática da música de câmara brasileira. Desconhece que muitos de seus músicos já conquistaram o “destaque internacional” que acena como recompensa ilusória.
Desconhece até mesmo o trabalho que realizou em parceria com a OSB. Em 2008, a Prefeitura do Rio de Janeiro, em comemoração aos 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, lançou a série de CDs "A Música na Corte de D. João VI". Um desses volumes, a "Missa Nossa Senhora da Conceição", de 1810, e o "Credo em Si Bemol", do Padre José Maurício Nunes Garcia, foi gravado com o Coro Sinfônico do Rio de Janeiro e a Orquestra Sinfônica Brasileira. Infelizmente, apesar das críticas favoráveis e do belo concerto realizado descobrimos agora que a OSB não tem mais o nível para gravar um simples CD. O diretor artístico afirmou que recentemente teve de jogar fora a gravação de uma peça tocada mais de vinte vezes, simplesmente porque ela não apresentava o nível mínimo para que constasse em um CD. Como a orquestra pôde descer de nível tão rápido? Apenas dois anos antes realizou com todas as pompas e aplausos o lançamento do CD com obras de José Mauricio Garcia e em tão curto espaço de tempo não consegue gravar nem o que tocou por mais de vinte vezes? Só podemos deduzir que o trabalho realizado pela direção artística da orquestra a levou a esta embaraçosa situação.
O diretor artístico e maestro também desconhece ou prefere tentar relegar ao esquecimento aspectos marcantes da OSB atual. Afirma que para os músicos tudo gira em torno da ideia do total descompromisso. Gostaríamos apenas de fazer uma pergunta: se tudo gira em torno do descompromisso o que fazia estes músicos, mesmo sem receber salários por meses, mesmo trabalhando em condições precárias, não faltar a um simples ensaio, jamais deixar de realizar um concerto, não faltar com nenhuma das suas obrigações contratuais enquanto a FOSB claramente faltava com as suas? O que motivava estes músicos, que viveram anos sob estas condições? A resposta é óbvia: Era exatamente o compromisso! O compromisso com a instituição, o compromisso com seus patrocinadores, com seu público e, principalmente, com a coisa mais valiosa que todos possuem: a música. Mas isto o maestro faz questão de repetidamente desconhecer, ou querer esquecer. Mas a história a de falar mais alto e esta verdade a de sobressair, de derrotar o projeto dos verdadeiros descompromissados.
Conhecendo este aspecto do compromisso dos músicos da OSB, é impossível não reagir a colocação do diretor e maestro ao afirmar que não dá para pensar em avanços relevantes sem que os músicos coloquem de uma vez por todas a OSB no topo de sua lista de prioridades. É mesmo? Quem durantes anos acumulou funções que obrigavam a longos períodos de ausência? Comparem o número de concertos e ensaios da orquestra com os ensaios e concertos que efetivamente foram regidos pelo maestro titular e respondam: quem deveria ter colocado a OSB no topo de suas prioridades? Compare os ganhos financeiros dos músicos da orquestra com aqueles ganhos pela direção artística, administrativa e outros cargos obscuros e nos digam quem tem compromisso e coloca a FOSB como prioridade?
O diretor diz reconhecer entre os músicos que permaneceram mais entusiasmo. Talvez ele não tenha lido a carta escrita por quatro valorosos músicos que mesmo tendo se submetido às avaliações manifestam de maneira clara e inequívoca sua reprovação a estas e afirmam seu apoio aos músicos demitidos. Também não deve ter visto as lágrimas e o desconforto escrito nos rostos e nos corpos trêmulos que somente a peso de calmantes e ansiolíticos puderam enfrentar a humilhação das provas demissionais, verdadeira termo que define as avaliações propostas.
Ainda revelando seu desconhecimento a respeito da orquestra com a qual poderia ter construído algo digno, o diretor artístico e maestro anuncia a participação no Rock in Rio como uma “nova estratégia” de conquista de público. Esquece ou desconhece que a OSB participou da primeira versão deste evento (vale a pena observar as expressões de felicidade, prazer e envolvimento dos músicos preguiçosos e indolentes em vídeo disponível no youtube), bem como de eventos importantes para o grande público. Aliás, esta é uma marca da OSB há muitos anos, vide o projeto Aquarius!
É com tristeza que observamos o clamor do diretor artístico e maestro da OSB e da Revista Veja a uma guerra santa. Guerras santas são sempre sinônimos de intransigência, prepotência e imposição e reafirmam uma imagem negativa e pouco afinada com os tempos atuais. Refletem um pensamento totalitário, autoritário e por isso ultrapassado, que é renegado por todos que buscam uma sociedade construída em princípios como a justiça, a liberdade e o respeito humano. Demonstram as bases violentas, preconceituosas e de certo separatismo-artístico que marcam o seu discurso.
Mas como dissemos antes, a história falará mais alto e a verdade a de sobressair a este projeto, inventado por aqueles que na verdade, não possuem nenhum compromisso com a nossa OSB. Neste momento, a paz santa será a gloriosa vencedora. Como deve ser e como o era nos tempos de outrora.
Este “passo decisivo” que se revela um desastre completo, só é possível de ser dado pelos que desconhecem as tradições que permeiam a nossa atividade presente. Este desconhecimento se manifesta nas perguntas elaboradas pela revista - “Qual pode ser o papel de uma orquestra num país como o Brasil, sem tradição na música clássica?” -, e nas respostas do incauto diretor: - “Há um abismo de séculos entre as orquestras europeias e americanas e as brasileiras”. Desconhece a história de seu país, desconhece as realizações e lutas de seus antepassados músicos que realizavam montagens de óperas de Verdi apenas meses depois de sua estreia na Itália; desconhece as sementes lançadas por Leopoldo Miguez e Carlos de Mesquita, que ainda no século XIX regiam Wagner, Mozart e Mendelssohn entre outros, em concertos sinfônicos.
Desconhece também o trabalho de seus músicos atuais. Pois ao apresentar como novidade um projeto que prevê apresentações de música de câmara e recitais individuais está indiretamente reconhecendo que desconhece o trabalho, por exemplo, do Quarteto da UFF, do Art Metal Quinteto, do Trio Aquarius, do Quarteto Raga e de tantos outros grupos formados por músicos da OSB e que há anos atuam no mercado nacional e internacional, com CDs lançados e inúmeros projetos realizados que deixaram profundas marcas na prática da música de câmara brasileira. Desconhece que muitos de seus músicos já conquistaram o “destaque internacional” que acena como recompensa ilusória.
Desconhece até mesmo o trabalho que realizou em parceria com a OSB. Em 2008, a Prefeitura do Rio de Janeiro, em comemoração aos 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, lançou a série de CDs "A Música na Corte de D. João VI". Um desses volumes, a "Missa Nossa Senhora da Conceição", de 1810, e o "Credo em Si Bemol", do Padre José Maurício Nunes Garcia, foi gravado com o Coro Sinfônico do Rio de Janeiro e a Orquestra Sinfônica Brasileira. Infelizmente, apesar das críticas favoráveis e do belo concerto realizado descobrimos agora que a OSB não tem mais o nível para gravar um simples CD. O diretor artístico afirmou que recentemente teve de jogar fora a gravação de uma peça tocada mais de vinte vezes, simplesmente porque ela não apresentava o nível mínimo para que constasse em um CD. Como a orquestra pôde descer de nível tão rápido? Apenas dois anos antes realizou com todas as pompas e aplausos o lançamento do CD com obras de José Mauricio Garcia e em tão curto espaço de tempo não consegue gravar nem o que tocou por mais de vinte vezes? Só podemos deduzir que o trabalho realizado pela direção artística da orquestra a levou a esta embaraçosa situação.
O diretor artístico e maestro também desconhece ou prefere tentar relegar ao esquecimento aspectos marcantes da OSB atual. Afirma que para os músicos tudo gira em torno da ideia do total descompromisso. Gostaríamos apenas de fazer uma pergunta: se tudo gira em torno do descompromisso o que fazia estes músicos, mesmo sem receber salários por meses, mesmo trabalhando em condições precárias, não faltar a um simples ensaio, jamais deixar de realizar um concerto, não faltar com nenhuma das suas obrigações contratuais enquanto a FOSB claramente faltava com as suas? O que motivava estes músicos, que viveram anos sob estas condições? A resposta é óbvia: Era exatamente o compromisso! O compromisso com a instituição, o compromisso com seus patrocinadores, com seu público e, principalmente, com a coisa mais valiosa que todos possuem: a música. Mas isto o maestro faz questão de repetidamente desconhecer, ou querer esquecer. Mas a história a de falar mais alto e esta verdade a de sobressair, de derrotar o projeto dos verdadeiros descompromissados.
Conhecendo este aspecto do compromisso dos músicos da OSB, é impossível não reagir a colocação do diretor e maestro ao afirmar que não dá para pensar em avanços relevantes sem que os músicos coloquem de uma vez por todas a OSB no topo de sua lista de prioridades. É mesmo? Quem durantes anos acumulou funções que obrigavam a longos períodos de ausência? Comparem o número de concertos e ensaios da orquestra com os ensaios e concertos que efetivamente foram regidos pelo maestro titular e respondam: quem deveria ter colocado a OSB no topo de suas prioridades? Compare os ganhos financeiros dos músicos da orquestra com aqueles ganhos pela direção artística, administrativa e outros cargos obscuros e nos digam quem tem compromisso e coloca a FOSB como prioridade?
O diretor diz reconhecer entre os músicos que permaneceram mais entusiasmo. Talvez ele não tenha lido a carta escrita por quatro valorosos músicos que mesmo tendo se submetido às avaliações manifestam de maneira clara e inequívoca sua reprovação a estas e afirmam seu apoio aos músicos demitidos. Também não deve ter visto as lágrimas e o desconforto escrito nos rostos e nos corpos trêmulos que somente a peso de calmantes e ansiolíticos puderam enfrentar a humilhação das provas demissionais, verdadeira termo que define as avaliações propostas.
Ainda revelando seu desconhecimento a respeito da orquestra com a qual poderia ter construído algo digno, o diretor artístico e maestro anuncia a participação no Rock in Rio como uma “nova estratégia” de conquista de público. Esquece ou desconhece que a OSB participou da primeira versão deste evento (vale a pena observar as expressões de felicidade, prazer e envolvimento dos músicos preguiçosos e indolentes em vídeo disponível no youtube), bem como de eventos importantes para o grande público. Aliás, esta é uma marca da OSB há muitos anos, vide o projeto Aquarius!
É com tristeza que observamos o clamor do diretor artístico e maestro da OSB e da Revista Veja a uma guerra santa. Guerras santas são sempre sinônimos de intransigência, prepotência e imposição e reafirmam uma imagem negativa e pouco afinada com os tempos atuais. Refletem um pensamento totalitário, autoritário e por isso ultrapassado, que é renegado por todos que buscam uma sociedade construída em princípios como a justiça, a liberdade e o respeito humano. Demonstram as bases violentas, preconceituosas e de certo separatismo-artístico que marcam o seu discurso.
Mas como dissemos antes, a história falará mais alto e a verdade a de sobressair a este projeto, inventado por aqueles que na verdade, não possuem nenhum compromisso com a nossa OSB. Neste momento, a paz santa será a gloriosa vencedora. Como deve ser e como o era nos tempos de outrora.
Por Antonio Augusto
Músico demitido da OSB
Músico demitido da OSB
"É impossível perceber vitória na destruição da vida profissional de 36 músicos que passaram as últimas décadas dedicados a manter viva exatamente esta instituição que os expele"
Antonio J. Augusto, docente da Escola de Música, rebate em vigoroso artigo o maestro e diretor artístico da OSB que, em entrevista nas páginas amarelas da Revista Veja, afirmou que a demissão de 36 músicos daquela orquestra representava a “primeira batalha de uma guerra santa contra a mediocridade, o corporativismo e pela excelência artística”.
3 comentários:
É sempre esse jogo de poder! Essa estupidez de ego, de orgulho, de provar para os outros que é algo que não se é, provar competência, mostrar quem manda. Paremos de perder tempo em provar quem é o melhor e primemos pela qualidade!! (Isso parece O Empresário, de Mozart, Silberklang X Herz!) Outra coisa complicada é ir dando um jeitinho aqui, outro ali, sentir- se incomodado, não gostar e não falar para o outro que não gostou, aquela idéia de uns não levarem o ensaio tão a sério, "a apresentação que é a hora de tocar de verdade" (infelizmente existe gente que pensa assim), com esse descaso, desafiando a paciência do maestro e os colegas ficam quietos, como se aquilo fosse normal, desta forma parecendo consentir... Claro que o maestro é que está como "autoridade" no grupo e que ele deve resolver a situação, mas esse tipo de coisa afeta a todos! Uma hora se perde o controle da situação! A mãe manda de um jeito com o pai consciente disso e na frente do pai o filho desobedece a ordem da mãe e fica por isso mesmo. De quem é a culpa? Do filho?! É claro que vai sobrar pro pai também! A condição mínima para haver relações interpessoais saudáveis é o respeito, cadê? E CADÊ A HUMANIDADE?
E que mania é essa de inferioridade?! Temos músicos maravilhosos no Brasil! É só dar estímulo e desafio na medida certa, sendo que às vezes o desafio é o próprio estímulo! Isso é princípio básico da pedagogia aplicada! E logo se vê como é a base, o valor que é dado à educação, ao professor nesse país! É uma reação em cadeia! Uma pessoa que está à frente de um grupo, tem que saber sobre relações interpessoais, saber sobre pedagogia, o mínimo... Entender como cultivar o respeito e colocar tudo isso em prática! Não é possível que essa situação não seja racionalmente resolvida entre adultos! E acho que apontar às vezes é necessário... Essa coisa de dedo duro, é conversinha de escola, vamos tomar coragem e ter a responsabilidade e a consciência de que tal e tal atitude de determinada pessoa prejudica o grupo inteiro e que precisa sim ser discutida, precisa de uma resolução! Aquele exemplo bobo do pai, da mãe e do filho, dado anteriormente! Ou vamos querer pagar pela imaturidade,a falta de profissionalismo de poucos?!
O negócio é esclarecer as coisas! Esse país precisa de transparência! E isso começa pelas pessoas nas relações pessoais e no trabalho, as rédeas do sistema estão nas nossas mãos e a gente desiste de tomá-las porque é muito complicado aprender, não queremos nos incomodar com isso, alguém vai querer fazer isso, não preciso fazer... Covarde.
Toda essa história que se passa no meio musical carioca me fez refletir minha posição como músico, profissional e ser humano.
Gostaria de começar a ver qual é a grande mensagem que devemos tirar desse episódio de uma novela que, talvez, esteja apenas por começar.
Bravo, Antônio! Acabei de ler também outras duas grandes notícias: a Federação Internacional dos Músicos divulgou um comunicado pedindo o boicote das audições para a "nova O$B" e o deputado Robson Leite pede uma CPI para investigar a FO$B! Esta situação não se sustenta por muito tempo. Creio que, em breve, estas tristes figuras serão extirpadas do nosso cenário musical.
Luiz Henrique Mello
Postar um comentário