terça-feira, 22 de março de 2011

Nascimento de um novo maestro

Aos 31 anos, o brasileiro Marcelo Lehninger chama atenção da crítica ao substituir James Levine em NY
Tinha tudo para ser uma noite triste. No dia 14, a Sinfônica de Boston, uma das mais tradicionais orquestras americanas, desembarcou em Nova York para um concerto no Carnegie Hall. Na bagagem, muita incerteza: dias antes, James Levine, o Adicionar imagemdiretor do grupo, em uma decisão que agitou o meio musical americano, pedira demissão e cancelara todos os seus concertos com a orquestra, alegando problemas de saúde. "Ninguém culpará os músicos por se sentirem órfãos e desmoralizados", escreveu o crítico do New York Times. O resultado, porém, foi outro. "A orquestra soou maravilhosamente", escreveu o mesmo articulista, depois da apresentação, definindo aquela como uma grande noite - que revelou ao mundo um maestro brasileiro de 31 anos, Marcelo Lehninger, chamado para substituir Levine.
Richard Perry/The New York Times
"Era uma enorme responsabilidade", diz Lehninger ao Estado, a caminho de Nova Jersey, para mais um concerto com a Sinfônica de Boston. "Mas, para mim, com certeza, foi uma noite memorável", completa, celebrando a reação da imprensa especializada. Anthony Tommasini, no Times, escreveu que o maestro foi "muito bem, regendo todas as peças com técnica impressionante, interessantes ideias musicais e energia jovial". O elogio por si só seria marcante, mas ganha novas cores quando se leva em consideração o difícil programa interpretado, que incluía a estreia de um concerto para violino do compositor Harrison Birtwistle. "É uma obra muito interessante, que reflete o estilo dos compositores experimentais que vivenciaram o movimento de música nova na Europa dos anos 60, exige grande cumplicidade entre solista e regente, pois a dificuldade está na conjunção do violino solista com a orquestra", diz.
Foi aos 12 anos que o pequeno Marcelo resolveu: seria maestro. A música não lhe era estranha. Filho de Erich Lehninger, um dos principais violinistas em atividade no Brasil, e da pianista Sonia Goulart, já estudava desde cedo violino e piano. Mas certo dia acompanhou o pai em um ensaio da Sinfônica do Estado de São Paulo, comandado por Eleazar de Carvalho. "Fiquei fascinado ao ver como um regente podia mudar a sonoridade da orquestra. E percebi que teria de trocar as 88 teclas do piano por 88 músicos!"
No Brasil, o carioca estudou regência com Roberto Tibiriçá e, em 2001, após um segundo lugar no Concurso Eleazar de Carvalho de regência, mudou-se para os Estados Unidos, onde se formou em composição e regência no Bard College. Passou então a frequentar masterclasses com importantes maestros, como Kurt Masur, Leonard Slatkin e Marin Alsop, recém-nomeada regente titular da Osesp. Ao mesmo tempo, começava a reger orquestras de pequeno porte nos Estados Unidos e, em 2007, trabalhou com a Orquestra Jovem das Américas, cujo patrono é Plácido Domingo. Notado por Masur, trabalhou ao longo de uma temporada ao seu lado. "Estive com ele nas orquestras Nacional da França, Gewandhaus de Leipzig e Filarmônica de Nova York. É um homem de grande cultura e é especial como nos ensina a enxergar a música além da partitura, revelando fatores históricos. Com ele aprendi muito o estilo e as tradições da música austríaca e germânica."
Lehninger assumiria então dois postos como assistente - na Sinfônica Nacional de Washington, com Leonard Slatkin, e na Filarmônica de Minas Gerais, com Fabio Meccheti - antes de ir trabalhar com Levine em Boston. "Com Levine, aprendi muito sobre a concepção sonora. Ele trata a orquestra sinfônica de uma forma operística, trabalhando o cantabile de cada instrumento. Ele é um homem brilhante, com um vastíssimo repertório que inclui música sinfônica e ópera, dando grande importância, também, à música contemporânea."
Como maestro assistente, Lehninger lembra que não apenas tem a chance de comandar alguns concertos, como pode acompanhar todos os ensaios do grupo, "aprendendo com os maestros e solistas, a todo instante". Ele se formou em um momento de mudança na vida das orquestras sinfônicas, que partem mais do que nunca em busca de uma nova relação com o público. Nesse sentido, acredita que o papel do maestro se transformou. "O regente é a face pública da orquestra que dirige. É uma personalidade que tem de estar comprometida em elevar a vida cultural da cidade onde trabalha, formar plateias e atuar na educação de crianças e jovens. Deve dominar diferentes estilos musicais e estar atento às necessidades e deficiências tanto da orquestra como do público, quando faz uma programação. Deve, também, ajudar a manter viva a memória musical nacional", explica. "Uma orquestra não é mais simplesmente um grupo de músicos, mas uma instituição que exerce um importante papel social. Ela precisa atuar na educação das pessoas, se preocupar em formar de plateias, ela pode e deve ser a identidade cultural de uma cidade", completa. 




João Luiz Sampaio - O Estado de S.Paulo

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