terça-feira, 24 de setembro de 2013

A DIPLOMACIA DO JAZZ DURANTE A GUERRA FRIA



Há mais de 50 anos atrás, no auge da Guerra Fria, havia pouco espaço para o diálogo intercultural e as duas superpotências procuravam colmatar a lacuna. Nesta batalha pelos "corações e mentes" dos povos do mundo, os Estados Unidos optaram por uma resposta improvável, mas extremamente eficaz às iniciativas soviéticas: a construção de amizades internacionais através do jazz.
Os estados europeus iam desistindo dos seus domínios na Ásia, África e no Pacífico, e um concurso quase selvagem foi-se desenvolvendo entre a União Soviética e os Estados Unidos para cortejar essas nações recém independentes. Abriu-se a porta à ideia de que as trocas culturais entre nações influenciavam a percepção da "raça" e da cultura, não só no estrangeiro, como também internamente. Acreditou-se que os contactos interculturais modelavam atitudes, influenciavam as crenças no sistemas políticos internos e ajudavam a compreender os olhos com que uma nação interpreta o mundo. Além disso, a cultura de uma nação, em si mesma, ajudava a prever as atitudes e práticas que a mesma iria adoptar nos assuntos estrangeiros. O jazz era um fenómeno incomparável na e para a América, representativo de uma fusão entre as culturas africanas e a novíssima cultura afro-americana pulvilhada e misturada pelo american way of life.
A Guerra Fria teve uma enorme influência em muitos aspectos da sociedade americana e da sociedade da URSS. Em 1946, Winston Churchill usou pela primeira vez a expressão "cortina de ferro" para falar da separação entre a União Soviética e os seus estados satélites, dum lado, e o Ocidente não comunista, do outro. Uma cortina que se manteve até 1991, data da desintegração da União Soviética. Esta influência foi-se assumindo cada vez mais por causa dos valores antagónicos em jogo. De um lado, os Estados Unidos recitando o capitalismo e a democracia; do outro, a União Soviética aclamando o comunismo e o autoritarismo.

Mas este conflito foi diferente. Na verdade, foi tanto uma luta com intervenções militares (como a Guerra da Coreia ou do Vietname, bons exemplos das tentativas americanas de pôr termo ao expansionismo comunista) como uma guerra na qual foram travadas várias batalhas culturais entre as duas superpotências. Foi, acima de tudo, uma guerra de ideias, travada em várias frentes. Procurava-se uma nova forma de conquistar ou, arrisco dizer, uma nova forma de colonizar através da execução desta ideia de cultura sem fronteiras, homogénea, igualitária, de fácil acesso e compreensão. Sobretudo os EUA deram os primeiros passos no sentido da uniformização planetária (ou aquilo a que alguns chamam de "cultura mundo") e da cosmopolitização contemporânea. Mas isso fica para outras núpcias...
A URSS encontrou na cultura um óptimo veículo para realizar os seus intentos, sobretudo através da música e do ballet clássico. Nesta batalha pelos "corações e mentes" dos povos do mundo, os Estados Unidos optaram por uma resposta improvável, mas extremamente eficaz às iniciativas soviéticas: a construção de amizades internacionais através do jazz. Os músicos de jazz eram o postal ideal para enviar aos olhos e ouvidos do mundo, impingindo uma certa América e espalhando a sua marca capitalista e democrática ao mesmo tempo que aliviavam as tensões políticas no meio das ortodoxias da Guerra Fria pela partilha desta experiência comum, social e cultural, veiculada pelo jazz. A diplomacia do jazz, uma espécie de arte democrática, pretendia acabar com mitos como o de uma América representativa da "supremacia branca", do imperialismo cultural e da arrogância racial, numa altura em que se começou a construir o discurso internacional em torno dos direitos civis, da discriminação e da liberdade cultural.Mas esta retórica era ilusória - quem não se lembra do assassínio de Emmet Till (um jovem negro de 14 anos que foi morto no Mississipi, em 1955, quando flirtava uma rapariga branca)?

Como uma primeira manobra de uma guerra que mal tinha começado (e durou por mais de duas décadas) o congressista Adam Clayton Powell Jr. propôs que Dizzy Gillespie formasse uma big band para representar os EUA como embaixadores musicais. O Departamento de Estado e da Administração Eisenhower concordou e o grupo embarcou para o Sul da Europa e do Médio Oriente, em 1956. Dizzy e a sua orquestra eram embaixadores consumados - tocando as pessoas de todas as esferas sociais. Num dos concertos em Zagreb, na Jugoslávia, um espectador deixou-se levar pelo entusiasmo e chegou mesmo a exclamar: "o que este país precisa é de menos embaixadores e mais sessões de jam!". A diplomacia do jazz tinha começado.
Mais tarde, nesse mesmo ano, Benny Goodman e a sua banda viajaram para a Ásia Oriental; em 1958, o "Dave Brubeck Quartet" visitou a Europa Oriental, o Médio Oriente e o Sul da Ásia; Louis Armstrong e os "All Stars" visitaram África em 1960-1961, e Benny Goodman fez de novo as malas, agora para partir para a União Soviética, em 1962. No ano seguinte, a "Duke Ellington Orchestra" e o seu carismático líder percorreram o Médio Oriente e o Sul da Ásia.
Estas iniciativas da diplomacia cultural continuaram sob a direção do Departamento de Estado até 1978, e inúmeros músicos de jazz, incluindo Benny Carter, Miles Davis, Woody Herman, Hines Earl, Oscar Peterson, Terry Clark e Sarah Vaughan, correram o mundo em nome da América, espalhando o american way of life e atraindo as atenções nos cantos mais remotos.
A "pureza da arte soviética" foi sendo "poluída" à medida que a Variety, o Times e a Vanity Fair iam relatando a influência do jazz na URSS e até a Rádio Moscovo não resistiu aos encantos sonoros deste gênero musical. A jazz music abriu as portas a um certo entendimento da cultura americana - uma nação livre e sem distinções raciais - e revelou-se uma via única a ligar as pessoas, transcendendo as barreiras políticas e sociais.

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